Aparentemente, as tardes de quarta-feira são todas iguais: a manhã acaba e os alunos precipitam-se para fora das quatro paredes da sala de aula para ir estudar para sua casa. Desta vez, no dia 16 de novembro de 2016, tudo saiu fora dos planos para os alunos do 11.º ano do Colégio Luso-Francês. A princípio, a ideia de visitar mais uma vez a cidade do Porto parecera estranha, banal até, para habitantes da Invicta, que lá passam quase por acaso, quase sem se aperceber de tal. Tomamos como garantida a passagem pelos lugares de interesse, como os cafés na moda, que, de tão cheios, mais nos fazem sentir sós, por entre as multidões de turistas que parecem não viver a mesma realidade que nós, ocultando o coração do lugar.
Por entre ruelas e calçadas não conhecidas, com escadas de pedra antiga, fomos andando até às diferentes igrejas barrocas, que, numa só parede, possuem uma coletânea de diversos movimentos artísticos característicos de diferentes escolas. Entrando em cada igreja, particularmente na de S. Francisco, fomos invadidos pela talha dourada, que, embora sem palavras, nos apela para entrar e ficar a contemplar. O Barroco é a arte do exagero, a arte que não nos permite a emissão de juízos de valor, dada a sua exuberância. Portanto, apenas conseguimos ficar calados, com um certo medo de tamanha imponência. Neste caso, podemos dizer que a própria talha dourada nos persuadiu, cativando-nos pelo olhar. O apelo aos sentidos estava concretizado, e quase nos obrigou a acreditar em todas as crenças religiosas. Na verdade, era esse o seu propósito, tal como nos foi explicado pelo guia na mesma igreja. O Padre António Vieira ressuscitava através das palavras do seu Sermão, principalmente pelo facto deste monumento ter uma vista panorâmica para o rio Douro, espelhando a bonita frase: «Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes.»
Em contraste com a luminosidade da igreja de S. Francisco, a igreja de Santa Clara, ainda em restauro, era sombria, austera e até assustadora, com os seus pedaços de madeira espalhados. As suas portas escancaradas davam a ideia de que estava naquele local caída do céu, como se não houvesse ninguém para a anunciar, o que era mentira. As próprias paredes evidenciavam o medo do vazio que, em vez de convencer o viajante a ficar, fazia-o partilhar do mesmo receio, o que o afastava. Não convenceria tanto o Sermão de Santo António se fosse pregado num lugar triste como aquele. Pelo menos, seria mais difícil para um orador fitar o seu auditório no meio de toda aquela sala de janelas fechadas, sem rio Douro à vista. Somente pedra.
No fim da visita, com todas as emoções e tantos apelos à visão, apenas desejamos tempo para processar o que vimos. Foi com alegria que subi de novo a Avenida dos Aliados para voltar para casa, lembrando não só os monumentos arquitetónicos, mas também as pequenas casas da Ribeira, construídas em função do relevo, e não em função de si mesmas. O Rio Douro funcionava como um vale, e as tais casas eram as suas paredes. As habitações empilhadas e as ruas estreitas fizeram do dia um dia bem passado, que, afinal, revelou que sabemos muito pouco da nossa própria cidade, que tem uma história por detrás do mais pequeno jardim e coluna de igreja.
Margarida Oliveira, 11.ºA