NOVAS PÁGINAS DE “OS MAIAS” — Lisboa, 16 de março de 1875

“Conciergerie. Marché aux Fleurs”, Georges Stein. Postal de 1911

O dia de hoje trouxe um surto de novos sentimentos. No momento em que as sonolentas cortinas do meu quarto dançaram em sincronia com a suave brisa do vento matinal, eu soube que algo seria diferente.

Decidi sair de casa, arejar a minha pálida pele que há muito se esquecera da luz do Sol, tal como a minha mente murcha que me apodrecia. Ao andar por entre os doces raios de sol e sob o suave toque dos ventos, a minha intuição gritava aos ouvidos o encontro iminente com uma verdade súbita. A vontade de andar e andar até encontrar algo, algo que eu não conhecia, mas desejava conhecer, corria como cafeína nas minhas palpitantes veias. Passei, veloz, pelos casais que encenavam uma vida completa, pelos pedintes moribundos, pelas ladys que a cada passo realizavam uma dança de acasalamento, pelos poetas lamuriosos e de corações quebrados…. Em todo o lado, encontrava motivos para permanecer recolhida, segura, protegida pelas janelas tímidas e fechadas de minha casa, mas o desejo que me preenchia ao acordar ainda não se encontrava saciado.

A meio da jornada, estaquei. O meu corpo subitamente imobilizou-se, como se tivesse ido contra uma parede. O meu olhar fixou-se numa figura alta e talvez intimidante, mas bela como uma constelação dos mais maravilhosos sonhos. Era um homem de ombros largos e postura de atleta, que se apresentava com um gracioso olhar e com uma pequena barba cuidadosamente esculpida. O meu corpo agiu por si só e projetou-se na direção da esbelta criatura. No momento em que tomei controlo da besta que me comandava, encontrei-me a poucos metros daquele homem que me hipnotizou com os seus curiosos olhos de outono. O suor e o arrependimento envolveram o meu corpo e o olhar apenas se fixou no cinzento pavimento. Interrompendo a sonora ansiedade com que eu me debatia, ele levantou o meu queixo suavemente, enquanto me perguntava se eu estava bem. E se não estava!… O seu toque despertou em mim sentimentos que há muito não sentia, sentimentos que pensava que jamais voltaria a sentir. Ainda descontrolada, respondi que sim, que estava bem e que pedia desculpa pelo incómodo. Sem lhe dar tempo para responder, virei o meu trémulo corpo e percorri o caminho que acabara de percorrer.

Embora momentâneo o encontro, o meu coração ainda bate descontroladamente contra o peito, como se o quisesse quebrar. Talvez aquele homem seja a razão para não desistir da amarga vida, talvez seja um futuro para a minha alma há muito não cobiçada, talvez seja a esperança despedaçada pelos monstros do meu passado.

Francisca Moreira, 11.ºD

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