Certa manhã soalheira de novembro, eu acordara no meu habitual casaco castanho, pendurado na velha fábrica onde nascera. Ninguém me comprara e já estava aborrecido de ali estar. Até começava a ter pesadelos. Sonhava que me atiravam para o lixo por ninguém me desejar. Congeminava que era o meu fim, mas, no final, tudo não passava de uma ilusão e perdia importância.
Porém, num dia gélido, surgiu uma família simpática que procurava um casaco de criança. Pensei logo que era uma boa oportunidade para sair dali. Felizmente, a minha vontade cumpriu-se e aquele tornou-se o dia mais feliz da minha existência.
A casa deles assemelhava-se a um palácio, muito arrumado e elegante. Levaram–me para o quarto da Joana, a minha dona, e esta pendurou-me num cabide. No dia seguinte, acordei bem-humorado, pois era dia de escola e eu, certamente, apreciaria esta experiência. Apesar de ter adorado a barulheira, a agitação das crianças e as suas roupas coloridas, a minha atividade predileta era a aula de dança! Ficava no meu cabide a admirar, pasmado, os movimentos delicados das meninas enquanto pairavam, como flores, pela sala.
Apesar de sentir algum cansaço, verifiquei que, ao final da tarde, o pai da Joana decidira levá-la ao parque para ela andar no baloiço. Que maravilhosa sensação sentir o vento a bater nos meus fios encarnados!
A vida foi perfeita durante todo o ano. No outono seguinte, a rapariga cresceu e o casaco deixou de lhe servir. Assim, a sua mãe colocou-o , arrastando-me para uma nova realidade suja e triste. Foi o meu fim.
Matilde Baleiras, 5.º D