Com o intuito de experienciar tudo o que era possível, decidi ficar em Caminha durante seis anos, para poder viver as três estações do ano. Os habitantes, desde cedo, aprenderam as regras básicas da boa educação e do comportamento necessárias para o convívio social. Nasceram com uma enorme propensão para a virtude e, na escolha entre o Bem e o Mal, raramente tomaram uma má decisão. As suas máximas eram trabalhar em prol do bom funcionamento da sociedade, sem beneficiar quem não o faz, assim como aperfeiçoar o raciocínio e tomá-lo por guia em todos os seus atos. O pleno uso da racionalidade era essencial, para que, principalmente as discussões, fossem saudáveis, sem obscuridades e finais infelizes. “A discutir aprende-se a formular pensamentos e opiniões, assim como a expô-los”, afirmavam eles orgulhosamente.
Eu escolhi não me revelar como inventor desta utopia, de modo a não suscitar a intenção de se exibirem ou de me agradarem futilmente. O meu propósito consistia em perceber como realmente viviam estas pessoas, sem qualquer falsidade adjunta, como quando um aluno tenta agradar um professor. Queria naturalidade.
Em Caminha, a escolaridade não era sobrecarregada nem havia testes, a fim de que os alunos pudessem, verdadeiramente, desfrutar da aprendizagem. Desde jovens que organizavam o dia de maneira a terem tempo para tudo: amigos, escola, desporto, hobby…sem que alguma destas ocupações fosse em exagero. Eram ensinados a formular opiniões políticas, desportivas, sociais e pessoais. Cada um se baseava nas ideias que mais lhe agradavam e daí manifestava os seus juízos e apreciações. Após a faculdade, os cidadãos ingressavam nos empregos mais adequados e, normalmente, cada novato tinha um precetor mais experiente para o ajudar a habituar-se a esta nova etapa das suas vidas. Cada funcionário, sem exceções, tinha duas oportunidades por emprego. À segunda falha, na opinião do seu superior, o despedimento era obrigatório e não eram sequer aceites contestações. Ao ficarem desempregados, só lhes era fornecido um subsídio se se apresentassem a entrevistas de emprego, ingressassem em estágios ou fizessem qualquer outra prova de que se esforçavam para não dependerem do Estado. O esforço era devidamente recompensado.
Politicamente, o voto não era um direito adquirido a partir de uma determinada idade, mas, sim, alicerçado nas características individuais. Se aos 16 anos já se sentiam preparados para votar e conseguiam fundamentá-lo através de um teste, então o voto era aceite. Se aos 18 anos não revelassem capacidade de contribuir para a eleição, não votavam. Todos faziam o teste e só votavam caso fossem declarados aptos para tal, independentemente da idade. Cada indivíduo tinha a sua opinião e o respetivo direito de a transmitir. Contudo, esse privilégio trazia consigo um dever ainda mais importante: escutar e respeitar a opinião dos outros. As mudanças, pedidos e tudo o que requeresse discussão e votação só poderia ser aceite se 90% do parlamento fosse a favor, para prevenir o descontentamento. Corrupção ou qualquer tipo de ação que prejudicasse o bom funcionamento da sociedade era punido com a pena máxima: expulsão do país. Em relação a crimes desse género, o cidadão era condenado ao ostracismo.
Ao ser o “arquiteto” deste local, a satisfação apoderou-se de mim quando me inteirei de que tudo operava como outrora planeado. Os cidadãos tinham, entre si, o mesmo objetivo, como se fossem uma enorme equipa. Todavia, esta jornada reforçou a minha prévia opinião de que não existem utopias. Se formos objetivamente realistas, não podemos aceitar a presença da perfeição, uma vez que todos nós e tudo o que criamos tem defeitos, o que é perfeitamente ordinário. Nós somos humanos e, por muito que nos esforcemos, há sempre algo que corre mal, o que é bom. Afinal, como Pascal nos ensinou, HERRAR É UMANO.
Rodrigo Samagaio, 11.ºD