A minha experiência estética de “Ascensão” de Rui Chafes – Parte I

“Ascensão”, Rui Chafes (Igreja de S. Cristóvão, Lisboa)

A obra Ascensão, de Rui Chafes, enquadra-se num conjunto de organizações e eventos da arte por S. Cristóvão, que tem em vista a angariação de fundos para o restauro da igreja de S. Cristóvão em Lisboa. Um desses eventos, cujo responsável é Paulo Pires do Vale, tem o nome de não te faltará a distância, contando com a participação de 4 artistas, um deles Rui Chafes, que participa com uma instalação artística na igreja, inaugurada a 5 de maio de 2016. Esta instalação tem vários polos por toda a igreja, sendo o principal uma escada de mão em ferro, negra, suspensa de chão e de teto, bem perto de um altar de talha dourada. Outro dos polos é uma placa de ferro preta com um rasgão, suspensa sobre um túmulo. Na sacristia um apontamento também de metal preto e também da janela da igreja sai um tumulto calmo de fitas congeladas de metal negro repletas de movimento. Noutro local pendem emaranhados de fitas negras do mesmo metal.

A ideia da obra surge pela observação das escadas para o coro alto, erodidas pela passagem dos fiéis e, quem sabe, infiéis, ao longo de vários séculos de existência. O artista plástico faz então moldes a ferro dos degraus, que imprimirão marcas na escada suspensa, o que tem para si um simbolismo próprio: há como que uma transcrição da recusa à gravidade natural das escadas do coro alto para a escada suspensa, segundo o autor.

Rui Chafes nasce na capital portuguesa, em 1966, e entre 1984-89 estuda na faculdade de Belas Artes da mesma cidade. Mais tarde prossegue os seus estudos em Düsseldorf. Tem exposto os seus trabalhos na Fundação Calouste Gulbenkian, na Bienal de Veneza, no Japão, na Alemanha, na Bélgica, no Brasil, em Itália, entre outros.

No autor são reconhecidas influências marcadas da estética do Romantismo Alemão, (com a qual contactou enquanto tradutor de Novalis) nomeadamente nos títulos das suas obras, pela sua vertente mística. Tal como Goethe ou Brahms, Chafes ilustra uma necessidade de compromisso com algo mais do que a razão iluminista. Pretendo com isto distingui-lo daqueles que apenas procuram uma proporcionalidade extrínseca, isto é, uma arte clássica, iluminista, cuja beleza vem de uma proporção racionalista, cuja arquitetura é possível ser decalcada, percebida. Mas mesmo sendo a arte feita nesses pressupostos, continua a poder mudar o sujeito estético. Com efeito, o belo não está na procura da proporcionalidade mas naquilo que esta desperta, naquilo que consegue fazer acordar no sujeito estético.

Voltando a Chafes, este opta por uma influência Romântica, na medida em que não procura a proporcionalidade como fim, ou algo de certa forma inteligível como a arte clássica de um discóbolo de Míron, mas uma expressão mais próxima do seu olhar, que abre algum espaço à sua ambivalência entre sujeito estético e criador. Ou seja, o criador está em constante confronto com quem é, expressando-o na sua obra, e por isso a obra Romântica se diz muitas vezes mais calorosa, tensa, lírica e menos eloquente. (É interessante como a eloquência é uma marca da arte clássica: vemos que os poetas das epopeias clássicas procuram engenho e eloquência, como Camões em Os Lusíadas.) Chafes é então alguém que procura a transcendência na sua arte, que reconhece que há certas coisas que talvez sempre carecerão de uma explicação. Contudo, esta influência não faz dele romântico na pura aceção da palavra. Há também uma ideia clássica de depuração de elementos na criação artística e a sua obra não é propriamente lírica, mas de um sonho eloquente, deambulante mas não extrovertido. Por isso há, no meu entender, uma opção dicotómica entre a arte da proporção e a arte do ardor, que talvez no caso resulte na arte da abstração, isto é, na possibilidade de subtrair por momentos as circunstâncias em que nos encontramos. E não se entenda isto como uma afirmação de hedonismo dos roaring twenties: a subtração de que falo não é esquecimento, mas um exercício de contemplação, muito menos uma soma de felicidade de Huxley.

Além disso, pode indicar-se uma influência minimalista, devido à utilização de materiais simples e de uma linguagem depurada que passa por obras com formas comuns que ganham o principal valor estético pelo contexto em que se inserem: uma escada de mão é um objeto vulgar que no contexto da igreja pode ter um valor estético abrasivo. O abrasivo é um material áspero que muda a forma de alguma coisa. É uma ótima metáfora para o objeto estético: este é um objeto, algo material, que é capaz de, quando em contacto com a superfície hipodérmica do sujeito, ter um efeito de metamorfose, como a escada no meio da igreja.

Por fim, deve reconhecer-se uma corrente ibérica e neolítica, talvez ligada ao minimalismo: a utilização do ferro lembra uma idade remota, e talvez uma reinvenção dos materiais tão característica do século XX e XXI. Pode ser este um aspeto também ligado ao romantismo, pois apela às nossas origens.

Concluindo, Rui Chafes é alguém de uma linguagem muito própria e integra em si muita arte do passado, o que talvez facilite a compreensão do público, visto que a arte contemporânea tem gerado alguma discussão ao longo da História, porque muitas vezes parece apenas o desejo de fuga, descomprometido do seu papel estético. Como veremos, não é este o caso da obra Ascensão.

Francisco Silva, 10.ºB

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