A propósito de ‘Para Sempre’, de Vergílio Ferreira

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Desenho de Júlio Resende

 

Não quero falar de Para Sempre, quero deixar Para Sempre falar-me na memória comovida de um silêncio espesso que ritmicamente perpassa “o murmúrio do Tempo”. Romance para ler, reler e sentir, antes (ou mesmo em vez) de qualquer explicação. Obra que rejeita liminarmente, por supérfluo e excessivo, qualquer prefácio ou posfácio, tudo o que sobre ela possa escrever-se para figurar num mesmo livro, para anteceder ou seguir um convívio com o seu texto: convívio exaltante que nada substitui, que nada pode (nem deve) preparar.

Obra intocável. Para Sempre.

Obra total e perene no seu ritmo circular, princípio e fim, fim e princípio indistintos: ritmo impositivo, eloquente, na força com que cria de novo a etimologia de “perfeição”.

Obra eterna e sobre a eternidade, romance de amor, romance filosófico, romance do Tempo, romance do que é essencial ao romance: a Palavra, que gera o tempo e o configura na sua única dimensão possível — a memória, a narração, a ficção. O Tempo, realidade inacessível à descrição direta, experiência muda a que só a narração consegue dar voz, emerge desse todo em que se juntam de forma indissociável, potencializando-se mutuamente, uma reflexão filosófica sobre a eternidade e uma intuição artística poderosa da força narrativa do ritmo.

Fernanda Irene Fonseca, ‘Prefácio’ a Para Sempre. Edição comemorativa dos 50 anos de vida literária de Vergílio Ferreira, com ilustrações de Júlio Resende. Asa: 1993

Um Comentário

  1. Auxília Ramos

    Um amor que existe pela palavra.

    “A mata cobre-se de neve, há neve na beira do caminho, um sol rígido ao alto. Depois parais num largo, pequenas pugnas de neve entre vós, festa de riso. Enquanto nós, eu e uns colegas, tínhamos corrido também, vou atirar-te uma bola de neve. No centro do teu riso e do teu olhar. É azul como agora a minha imagem da sublimação. Uma estrela de neve na testa, vou atirar-te uma pequena bola, ela embate-te na fronte, explode em pedaços para todos os lados do teu riso. E de súbito ficas imóvel assim, instantânea de luz, a boca enorme de alegria e os dentes visíveis de sol, e os olhos rápidos de cintilação. Fica-te assim, oh, não te mexas. Tenho tanto que dar uma volta à vida toda. Não te movas. Sob a eternidade do sol e da neve. Uma malícia súbita no teu riso, no teu olhar. Um clarão à volta de deslumbramento. lrradiante fixo. Não te tires daí. Ins¬tantâneo da minha desolação. Tenho mais que fazer agora. Não saias daí. A boca enorme de riso, os olhos oblíquos de um pecado futuro. Fica-te aí assim, talvez te procure ainda, talvez te escreva uma carta de amor. Daqui donde estou, está uma tarde quente. De amor.”

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