Cidade X

“Sous-bois (Chemin du Mas Jolie au Château noir)”, Paul Cézanne (1892-1896)

Não sei o que me aconteceu depois de me ter encontrado perdida. Mais tarde, sem estes apontamentos – e mesmo com eles –, chegaria a questionar-me se não teria sonhado todos os acontecimentos que me isolavam da restante humanidade, com uma constante saudade que não rescindia à sua existência.

Acordei com o som do mar – o mesmo que me atormentara toda a noite –, mas, mal abri os olhos, verifiquei que já estava em terra, com uma pequena baía aos meus pés, uma imponente montanha a tapar-me a vista para a direita e uma planície florestal tanto atrás como do meu lado esquerdo, da qual provinha uma estranha, mas alegre, música que me convenceu a melhor explorar esta paisagem, acabando por me embrenhar pelas árvores. Depois de muito andar e já me sentindo exausta e esfomeada, acabei por me deparar com uma pequena cidade que, com aquela luz cintilante matinal, se me assemelhava a algo de sobrenatural, mas, ao mesmo tempo, a única visão expectável naquele excêntrico espaço. Todos os edifícios se enquadravam perfeitamente na natureza circundante, englobando, igualmente, todo o espaço necessário às deslocações humanas com conforto.

Fiquei a contemplar esta visão durante algum tempo, com receio de ser recebida hostilmente, mas acabei por ser avistada pelos seus habitantes – humanos andróginos, sem distinção de género –, que me levaram diretamente ao seu representante, o presidente desta pequena democracia, na qual ativamente se envolviam os cidadãos. Este acolheu-me imediatamente e comprometeu-se a mostrar-me todo o local, bem como os seus costumes. A primeira característica que notei – curiosamente, apenas passado algum tempo – foi o facto de a maioria das pessoas desta comunidade conseguir falar a minha língua, ao que, após questionados, me responderam que, embora quase sempre separados do resto da população mundial, a grande parte dos idiomas do exterior é por si aprendida e formalizada, a fim de os preservar – com maior destaque para aqueles em vias de extinção –, mantendo, assim, provavelmente, o mais extenso registo histórico dos mesmos. Tal situação só é possível graças a um número extremamente reduzido de habitantes desta cidade, que viajam por todo o planeta em busca de inovações e descobertas em todas as áreas.

Tudo isto me foi contado pelo referido representante, enquanto me mostrava as espaçosas ruas do local, preenchidas pelos surpreendentes veículos independentes e movidos a água – cujo mecanismo me comprometi a manter confidencial –, que delimitavam os jardins das múltiplas habitações e edifícios amplamente iluminados, além de sustentáveis, em concordância com o meio em redor, descobrindo a importante relação desta sociedade com o ambiente, dado que o tomavam quase como um membro essencial da mesma.

A cada momento que passava ficava mais deslumbrada com a atmosfera acolhedora que me absorvia, bem como pelo convívio e pelo respeito que os habitantes partilhavam mutuamente – valores fulcrais nesta comunidade, juntamente com o conhecimento, a defesa da verdade e a paz,  como vim a descobrir durante a minha curta estadia (infelizmente, apenas correspondente ao tempo necessário para me encontrarem uma forma de regresso).

Ao visitar a principal escola da localidade, verifiquei o relevo dado ao desenvolvimento do sentido crítico, bem como de características como a criatividade e a curiosidade, integrando perfeitamente aulas ao ar livre, mais didáticas, com os fundamentos teóricos para explicar os fenómenos com os quais diariamente somos confrontados, contribuindo, no futuro, para a construção de uma vida saudável, equilibrada e ativa, tanto a nível social como no trabalho desenvolvido. Tal situação confirmava-se diariamente. Os cidadãos entreajudavam-se para resolver até os mais pequenos problemas do modo o mais eficiente possível, a fim de todos beneficiarem e de possibilitar uma constante evolução; o que culminava num incrível desenvolvimento científico e cultural – provavelmente as vertentes mais valorizadas nesta pequena cidade, em que não só a totalidade das inovações era partilhada e avaliada pela sua capacidade de auxiliar a vida dos habitantes, mas onde praticamente tudo era igualmente documentado com maior ou menor pormenor, preservando o conhecimento atual para as gerações futuras e permitindo o seu contínuo aperfeiçoamento.

Outra situação também notável captou a minha atenção neste estranho local: a existência de um hospital. Tinham-me informado que as doenças tinham sido erradicadas. Quando sobre tal interroguei, esclareceram-me que este servia principalmente propósitos de investigação, além de apoiar os pais e crianças, já que os embriões aqui eram incubados, impedindo o sofrimento, tal como possíveis complicações, ao mesmo tempo que garantia que todos tinham os cuidados necessários.

Aquando da minha partida, lembrei-me que não sabia como deveria denominar esta povoação. Responderam-me apenas “X”, sem quaisquer explicações adicionais, o que aumentou o meu já avolumado deslumbramento, deixando-me perdida na minha imaginação, a qual me permitia apenas supor que tal se devia ao seu caráter desconhecido.

Nada de mais específico me é possível divulgar sobre esta sociedade de iguais direitos e oportunidades, dado que prometi manter o silêncio, em defesa e proteção deste ambiente único, onde só a colaboração e a argumentação mantêm uma constante paz. Além de me ter sido negado o conhecimento da localização deste espaço, eu própria me comprometi a eliminar os meus restantes apontamentos, deixando apenas este registo, como me foi indicado, como uma expressão de esperança.

Simone Pinto, 11.ºB

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