Como melhorar a nossa vida através dos livros

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Ler não é apenas um passatempo ou um meio de aprendizagem. Segundo a biblioterapia, pode ser remédio para muitos males — e não estamos a falar necessariamente de livros de autoajuda.

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As letras andam na vida de Sandra Barão Nobre desde sempre. Depois d’ “Os Maias”, encontrados nas estantes de casa dos pais, leu tudo o que havia de Eça de Queirós. Tornou-se leitora compulsiva. E depois de concluir uma licenciatura em Relações Internacionais acabou por fazer da comunicação e das letras a sua ocupação profissional. Estava na Wook, livraria online do grupo Porto Editora, quando a biblioterapia lhe invadiu os sentidos. Fez pesquisa intensiva sobre o tema, leu dezenas de teses, sobretudo americanas. Entusiasmou-se. Mas outras prioridades eram mais altas.

Nesse ano de 2012, Sandra tinha inaugurado o seu Acordo Fotográfico, um projeto de retratos de pessoas a ler em lugares públicos, ativo até hoje, já com mais de 400 leitores de 20 países e 40 nacionalidades. Dois anos depois, em 2014, quis celebrar a vida uma década depois de ter feito um autotransplante de medula óssea na sequência de uma leucemia aguda. Pediu uma licença sem vencimento por seis meses e deu uma volta ao mundo — a fotografar leitores, claro.

Ler, fotografar, viajar. A trilogia era fórmula de felicidade. Em 2015, a portuguesa nascida em França demitiu-se da Wook. Voou para Cabo Verde para uma experiência profissional completamente diferente, na área da hotelaria. Não foi como imaginava. Mas o clique necessário deu-se por terras africanas, ao refletir sobre o que poderia fazer no regresso a Portugal. “Tinha trabalhado 12 anos na Wook, antes noutros sítios. Estava farta de picar o ponto”, pensou, “a altura de arriscar era aquela”.

A biblioterapia não tem fronteiras. Tanto pode ser feita com uma criança (desde que um adulto lhe leia os livros) como com um sénior. Tanto podem ser homens como mulheres. Amantes fervorosos de livros ou nem tanto. O processo é simples e inicia-se com uma consulta-conversa onde Sandra Barão Nobre procura traçar um perfil do “paciente”. Como se define, o que gosta de ler, que hábitos de leitura tem, quais os autores preferidos e os odiados, se é casado, se tem filhos, qual o estado de espírito atual e que problemas gostava de resolver. A partir dali a pesquisa começa.

Mais organização

Desde que A Biblioterapeuta foi pensada, Sandra aderiu às fichas de leitura. Para cada obra lida, faz uma pequena ficha, com palavras-chave, pensamentos e sentimentos, associações que lhe passam pela cabeça, até outros livros, músicas ou poemas recordados a propósito das narrativas. Nas estantes cheias da casa, em Matosinhos, os livros dos últimos cinco anos estão sublinhados (“antes tinha um certo pudor de o fazer”) e têm notas. Há blocos com excertos. E muito conteúdo memorizado: “Quando olho para a estante posso não saber exatamente o conteúdo mas sei o que aquele livro me transmitiu”, contou ao P3.

Para já, a lista de clientes é curta. Uma “paciente” de Leiria, com quem conversou por Skype, procurou-a em busca de algo que a resgatasse da inércia. Profissional da área criativa, sentia-se estagnada e sem capacidade de dar o passo em frente. Sandra anda em busca da prescrição perfeita. Numa empresa, onde está a fazer um teste-piloto de biblioterapia para tentar ajudar os trabalhadores na hora de tomar decisões, a receita foi “A Balada de Adam Henry”, de Ian McEwan. Por sugestão dos empresários, foi também prescrito “Blink”, de Malcolm Gladwell, um livro sobre a capacidade de decidir num piscar de olhos.

A intervenção d’ A Biblioterapeuta não termina com a lista de livros. Depois das leituras feitas, há pelo menos uma sessão de acompanhamento, onde Sandra discute com os leitores os ensinamentos apreendidos e de que forma podem eles ser aplicados no dia-a-dia.

É algo que faz com ela mesma há anos. Com “Como encontrar o trabalho perfeito”, de Roman Krznaric, percebeu que “sabia fazer muito mais coisas do que pensava”. Num livro cheio de psicologia, sociologia e filosofia, o autor dá inúmeros exemplos de pessoas que mudaram radicalmente de vida em busca de algo que as fizesse feliz. “Teve essa capacidade de me abanar”, conta. Na narrativa, o autor faz o exercício de listar todas as coisas que sabe fazer, para lá da profissão dele: jardinagem, mudar uma cama, apertar um parafuso. “Às vezes reduzimo-nos àquilo que fazemos no emprego. E temos tantas outras mais valias”, percebeu a antiga livreira. É apenas um exemplo entre muitos. Como a autobiografia de Nelson Mandela, “Um longo caminho para a liberdade”, o “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar, ou “Se isto é um homem”, de Primo Levi. Cada um deles, em momentos diferentes, a orientaram para um determinado caminho.

É isso que quer ajudar outros a fazer. Além dos serviços de terapia individual e da biblioterapia em empresas — que pode ser feito em parceria com a Mindshake, que disponibiliza as instalações no Porto —, há ainda a possibilidade de leituras ao domicílio e “coaching” para ler mais e melhor. E apesar de estar na zona do Porto, a biblioterapeuta pode deslocar-se a qualquer parte — ou fazer consultas via Skype.

Na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, Sandra está por estes dias a fazer um curso de Biblioterapia. Na carteira, anda com o guia de viagem ao Irão, da Lonely Planet, para onde viajará em Setembro, a inaugurar uma nova função de líder de viagens. Viajar, fotografar, ler. Recomendar livros. “O mundo perfeito” de Sandra está em ação.

Texto de Mariana Correia Pinto • 12/07/2016 – 15:23

http://p3.publico.pt/cultura/livros/21062/sandra-receita-livros-para-melhorar-nossa-vida

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