Dia 249 de viagem- WonderNature

Chiang Mai, Tailândia

Acabo agora de sair de um local remoto, onde vive uma sociedade aparentemente normal. População carinhosa e bondosa, longe das cidades desenvolvidas, os habitantes apresentam-se com a simpatia que se denota, não raras vezes, em aldeias. Há dois dias, quando ali cheguei, consegui sentir a presença forte de ar puro e o ruído das folhas verdes ao sabor do vento infiltrou-se nos meus ouvidos. A calma prosperava, sim, e agradava a visão da paisagem natural. Era WonderNature, vim depois a descobrir, não transformada pelo Homem e simplesmente verde.

Mal entrei na cidade, procurei descobrir mais sobre o seu funcionamento, como havia surgido e quais as suas condições de vida. Existem casas ecológicas que funcionam como hotéis, pelo que decidi permanecer durante dois dias e averiguar como era o modo de vida em contacto direto com a Natureza. Foram-me transmitidas algumas regras pelas quais toda a população se rege, que achei curiosas por serem diferentes de uma civilização urbana: é proibido poluir de forma alguma, fumar e destruir o património natural verde local. Assenti, pois ali fazia sentido não danificar uma folha que fosse.

No dia seguinte, pus em prática o sentido de aventura que me guiou nesta longa viagem sem destino final e comecei a conhecer “os cantos à casa”. Apercebi-me de que toda a população vive da terra e para a terra, mantendo um sistema ecológico constante. Tudo o que precisam para consumo, cultivam-no. A comunidade convive segundo um sistema de solidariedade, vivendo em harmonia, visto que também me explicaram que era obrigatório contribuir para a existência deste bem-estar.

A meio do dia, a minha presença foi requerida pelo líder de WonderNature. Este queria conhecer a pessoa que visitava a sua população, que não recebia ninguém novo há alguns anos. Pensei ser estranho existir um chefe numa sociedade igualitária, pois todos pareciam ter tudo organizado pela própria população, sem confusões. Acontece que, ao que tudo indica, é necessário alguém que coordene o bom funcionamento desta utópica civilização. Após um encontro caloroso, pareceu-me coerente colocar algumas questões, de modo a aumentar o meu conhecimento em relação a todos os locais a que vou e tenho visitado.

Ao longo da nossa conversa, o Líder foi-me mostrando mais lugares ocultos e eu fui sentindo que existia algo mais por detrás de toda a simpatia e bonança daquele ser reconhecido e amado por todos. Explicou-me como funcionavam as finanças: não existe dinheiro físico, mas produtos de troca direta. Justificaram esta opção, porque não têm praticamente nenhum conhecimento sobre todos os produtos do “mundo exterior”, já que se limitam a utilizar apenas o que produzem, sem importações algumas. A sociedade estava, então, por outras palavras, presa em liberdade, longe de tudo, ainda que com a possibilidade de conhecer o mundo, se assim o desejasse. Perguntei o porquê de ninguém sair dali desde o seu nascimento. A resposta soou-me sombria: “Ninguém precisa de sair quando tudo o que precisa está aqui, das minhas mãos generosas para as deles. Gostam de mim por isso e são uma população feliz tal como são há anos”, disse-me o Líder.

Claro está que, quando voltei ao hotel ecológico, sentia uma ponta de uma presença obscura a percorrer-me o corpo. Durante um segundo que se fez parecer meia-hora, senti que algo que não estava destinado a ser descoberto havia sido farejado pelo meu sentido aventureiro. Um arrepio percorreu-me a espinha de cima a baixo ao relembrar a afirmação do chefe. Seria possível que a demonstração de paz e a natureza feliz fosse uma farsa? Afinal, havia constatado que o novo líder surgira quando o anterior começara a demonstrar sinais de fraqueza e falta de organização perante a natureza plena. Ao que parece, algo de mais aliciante se interpôs na governação e desviou a sua atenção da manutenção e preservação do bem-estar. Esta constante deu-se milhares de vezes antes, mas o atual governador promete que não se irá deixar levar por essa “doença” que surge aquando da subida ao poder.

Devido ao cansaço, adormeci após a minha mente ter sido invadida por uma miríade de pensamentos e dúvidas. Acordei no dia seguinte, hoje, com um objetivo planeado, que surgiu após alguma reflexão: iria obter respostas e, de acordo com o que descobrisse, sair o mais depressa dali.

A manhã nasceu serena, grata pelo respeito que pela terra se mantinha, e a sensação de liberdade pairava no fresco ar. Ou pelo menos assim parecia.

Poucos minutos depois, reconheci a voz do Líder, que parecia estar a negociar com a população no centro de WonderNature. Observando os acontecimentos da minha pequena janela, percebi o desconforto de algumas pessoas, o que não combinava com pacífica presença que havia conhecido antes. Desconforto pela ideia de mais um dia a viver uma mentira? Talvez fosse isso. Porém, não me interessou tanto elucidar aquela questão no momento, pois o que se sucedeu foi impensável.

Quem se tentou impor, no que aparentava ser o início de uma discussão contra o chefe, foi imediatamente engolido pela floresta, num ato rápido e brusco, deixando no chão as colheitas de produtos, que foram recolhidas imediatamente pelo Líder. A verdade revelou-se subitamente em frente aos meus olhos e apercebi-me da “doença”: a riqueza leva à loucura e extraí-la de quem trabalha — em troca de paz e de todos os favores — é uma forma encoberta de manipulação. Aqueles que descobrem a verdade são levados e escondidos para nunca revelarem os segredos a uma sociedade ingénua.

Claro está que, de imediato, peguei nos meus pertences e evadi-me apressadamente daquele território. Estou em andamento há cinco horas e parei para escrever sobre WonderNature, a distopia escondida sob a perfeição natural e o límpido e privilegiado contacto com a paz da Natureza.

 

Talvez nunca volte a encontrar um lugar tão bonito e visualmente agradável, mas, tendo em conta as medidas tomadas para que ele exista, espero mesmo que isso não aconteça.

 

Leonor Maia, 11.ºE

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *