Aqui acabam as nuvens e principiam os asfaltos. Ricardo Reis, um tipo alongado, sereno e de olhar altivo, admirava sossegadamente os amplos salões do aeroporto Francisco Sá-Carneiro, no qual desembarcara. Deseja comprar um pack de viagem, indagou um vendedor de ar enfadado. Não, muito obrigado, respondeu formalmente Reis. Invadido pela balbúrdia da Baixa Portuense, minutos depois, Reis repara nos incansáveis, sedutores e fiéis outdoors, que, dispersos pelas lojas da Rua de Santa Catarina, expunham peças de suma necessidade.
Não mais presas em gaiolas ou imersas numa atmosfera soturna, as gentes inflamam-se de dispositivos móveis. Demasiado fatigante, julga Ricardo Reis, Ficar a ver notícias, fotografias e anúncios o dia inteiro. Are you up for some sight-seeing, sir, questiona uma vendedora de bilhetes para um City Bus, Sou português, não é preciso que fale em inglês, Tem sotaque engraçado, o senhor, Morei durante mais de uma década no Brasil, há de ser isto, E só agora regressou, Sim, só agora, E que acha da cidade, nota diferença. Entretanto chega um outro sujeito e a última questão fica suspensa no ar. A vendedora, ávida por rentabilizar o seu negócio, desiste daquele senhor metade português metade brasileiro para tentar a sua sorte com o inglês que apareceu.
Passando pelos Clérigos, Reis, já afetado pelo calor estival e por uma pontada de fome, percorre a Estátua do Bispo do Porto, António Ferreira Gomes. Afinal, aquele senhor, exilado pelo governo de Salazar, está cá, hoje, na minha frente. Divaga acerca desta ironia do destino, ri-se sozinho ao pensar nas cansadas empreitadas humanas. Exausto apenas por ter imaginado participar em revoluções, movimentos ou partidos, sete mil cheiros lhe cortam o fio do pensamento. Segue em direção a uma pizaria na Praça de Carlos Alberto. Entretanto, um sujeito acelerado, de porte médio, esbarra contra ele. Peço imensas desculpas, Não há mal, Já agora, será que podia tirar uma fotografia nossa, perguntou o jovem, apontando para o seu telemóvel, Desculpe, não percebo como o posso ajudar, Ora vê, disse, indicando como se domava aquela tecnologia, É fácil, basta premir este botão, e, constrangido, pega no telemóvel do desconhecido e segue as suas indicações, mantendo-se fiel às suas boas e discretas condutas.
Ao fim do dia, Ricardo Reis era outro. Atormentado pela velocidade citadina, sente a necessidade de se evadir no seu quarto alugado, Airbnb. Relutante a aceitar a novidade das telas, no princípio, foi incapaz, depois, de resistir à tentação dos telemóveis. Sentado vagarosamente na sua cama, descobriu que poderia, através da Internet, assistir ao espetáculo do mundo de maneira ainda mais silente e completa. Através da sua janela, vê-se o correr perene do Rio Douro, dando inexoravelmente ao mar.
Luiza Toniolo, 12.ºD