Heirot, partituras em Berlim

<< Em 1924, olhou para mim como um cão mal-humorado, murmurou irritado que já não queria ouvir estas novas músicas e que a verdadeira música era a clássica. Eu já sabia como lidar com as rabugices de Topruscel Heirot, por isso desviei o assunto ao perguntar-lhe sobre o correio:

Mon Dieu! Estava tão distraído com a história da música… —  sem terminar a frase, saiu apressadamente.

Heirot verificava o monte de cartas, quando leu um envelope marcado a dizer: “urgente”. Era do estrangeiro, estava escrita numa letra trémula e pequena:

 

 

Depois de ler, entregou-me o papel:

— Chastings, mon ami, tem de ver isto!  

Depois de eu ler, prosseguiu:

 — A vítima trata-se de Ferracio Pusani, o grande compositor e pianista, pobre … — o detective interrompeu-se, decidiu não falar mais. Ainda se envolvia demais.

Chegando ao Aeroporto Tempelhof, apanhámos um táxi até à Catedral. A viagem foi curta e calma, cerca de vinte minutos. O taxista era um homem velho, fardado, singular e, como estava sentado, a sua altura era impercetível. Quando chegámos ao local, ninguém lá estava. Passados dez minutos, uma mulher velha, num traje bastante humilde, cumprimenta-nos e leva-nos a sua casa onde explica o ocorrido:

— Encontrei Ferracio por volta das oito e meia desta manhã – disse, arrepiada. – Quando lhe fui levar o pequeno-almoço, estava pálido, sem respirar. Não estava nada desarrumado apenas as partituras haviam desaparecido. Essa manhã, às sete, estava a dormir quando desci para a sala.

— Ouviu alguma coisa durante esse tempo?

 A mulher abanou a cabeça, em sinal de negação.

Dirigimo-nos ao local onde a tragédia acontecera: era um lugar sombrio, as janelas eram pequenas e não deixavam entrar luz. A decoração era da época Vitoriana. Os tons castanhos nos móveis eram como o pelo de um panda vermelho. A cama devia ter cerca de quinze anos. A sua cabeceira era trabalhada e detalhada, o verniz estava desgastado e todo o ambiente remetia para um estilo de casa assombrada. Era possível ouvir as tábuas do chão ranger sem sequer se tocar. O som assemelhava-se ao do chilrear de um golfinho. O piano estava amarelado e a tinta a descascar. Era perceptível que Pusani lá ficara sentado dias a fio. A música havia de ser a grande razão de se levantar de manhã. As suas composições eram notórias nesse sentido. Alegres e vivas, as suas composições eram muitas vezes em staccato, no qual as notas eram bolhas a rebentar no céu como nos tempos de criança. O acompanhamento era, frequentemente, num regime contralto que enfatizava as outras notas.

Topruscel Heirot perguntou a Gerda se havia alguma pessoa com quem Ferracio se desse mal ultimamente. Mrs.Pusani falou sobre um tal fã — Mr.Quin Ingletorp —, que o estiver a aborrecer sobre sabe-se lá o quê. Mais tarde, após umas ligações, encontrámos o seu paradeiro. O meu parceiro tocou à campainha e abriram-nos a porta. Porém, Mr. Ingletorp negou qualquer relação com o acontecimento. Perdemos a esperança, restava-nos somente voltar ao local e investigar melhor. De saída, Mr. Quin tropeçou no armário, deixando cair alguns livros, entre quais Heirot notou as pautas de Pusani.

Ao aperceber-me dos papéis que monsieur Topruscel segurava, agarrei Quin com toda a força e perguntei-lhe porquê:

— A música é a razão de viver, arte é o que distingue o ser humano. Ferracio sabia disso, não nos privou da sua música, transformou-a. Eu admiro-o tanto que o matei. Sou eu agora o portador da sua magia e … partituras – disse com um sorriso doentio, maltratado pelo passado.>>

 

Miguel Loureiro, 7.º C

 

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