Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Bernardo Soares não é nada. Nunca foi. Nunca seria. À parte isso, é tudo o que alguma vez poderemos ser. Os nossos sonhos, mas também os nossos pesadelos. As nossas angústias e as nossas inquietações. Os desgostos e os lamentos.
No seu livro, o ajudante de guarda-livros faz o que mais ninguém consegue fazer – sofre connosco. Deixa em papel o que não conseguimos arranjar palavras para contar. O desassossego que nos agita a alma, manchada pela dor de viver. Qualquer confissão do semi-heterónimo de Pessoa poderia ser nossa. Os seus vazios são os nossos. Se abrirmos o Livro do Desassossego numa página aleatória e escolhermos um fragmento, é impossível não nos identificarmos com uma das incontáveis dores de Bernardo Soares.
A leitura da sua obra é libertadora. Saber que não estamos sozinhos mesmo nos momentos de crise existencial. Mas também ter alguém que nos ampare as quedas quando tudo parece perdido. Alguém que nos levante. Afinal de contas, temos em nós todos os sonhos do mundo.
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
Francisco Caetano, 12.º A