ADDIE BUNDREN
Eu existo. Sinto-o; não quando olho para os filhos do Anse, mas antes quando vejo o meu reflexo nos olhos deles. Sinto-o, porque o vento me chicoteia a cara e percebo que nada me agarra àquela terra; ninguém, nem o Anse nem o Vardaman, a Dewey Dell ou os outros. Muito menos o Jewel. Sim, antes os outros todos que ele, a lembrança sombria e feliz do meu pecado.
Para mim, acabou; a razão assim o dita. Consigo ver a morte e só não a alcanço com a minha mão, vestida de pecado, por mero acaso, o que me confunde. Não me consigo imaginar noutras circunstâncias, não consigo deixar de ser lúcida.
Preparo-me para morrer a cada instante. Com a “jóia” da “família” ao meu lado – a filha do Anse -, ouço o ronronar tranquilizante da madeira a ser serrada, o tomar forma do meu caixão, algo finalmente meu. Vou ser enterrada em Jefferson, vingando-me, na minha morte, do que me fizeram sofrer em vida, com todas aqueles palavras afónicas:diziam que “me amavam” e que Deus me havia concedido “a graça da maternidade”. Não passam de nomes ocos, sem sentido, só com importância para aqueles que pensam que a ignorância é uma bênção.
Deus! Deus, que nada mais pede além dos nossos deveres, não pode ajuizar sobre as minhas ações. Cumpri-os: dei os filhos ao Anse e suportei-os. Se porventura caí em pecado, pelo menos fi-lo comigo, não envolvi mais ninguém que já não estivesse vestido dessa palavra; oculta pela floresta, que agora, nesta cama, só existe nas nossas memórias.
Aguardo, sinceramente, um momento em que me deixem partir tranquilamente. Uma escapatória para esta vida penosa, a única que me resta. Nada mais posso escolher. A minha madeira continua a cantar, afinada pelo compasso certo da lâmina do serrote.
Escrevo estas breves páginas para passar o tempo, para a morte chegar mais depressa e me deixar tocar-lhe de vez. Não pretendo deixar nenhuma marca ou testamento. Faço-o meramente para evitar o tédio, pois desse muito terei ainda que suportar.
E que rápido que o tempo corre…
Rui Pinto, 10.º F