Pela quantidade de diários semipreenchidos que guardo (algures) em casa, é fácil perceber que a diarística me aborrece profundamente. No caso do romance de Gabriela Ruivo Trindade, só o facto de haver excertos de um diário no final fez com que eu lesse o livro com algum receio e reserva. Felizmente, não era tão dececionante como eu inicialmente o perspetivei.
O livro termina com a perspetiva de Ana sobre ti Mariano e deixa-nos um sabor agridoce na boca, pois não temos nunca a perspetiva do homem à volta do qual é construída a narrativa. Por essa razão, decidi dar ao diário de ti Mariano uma hipótese. Quando terminei a leitura, apesar de cética acerca da veracidade do diário – escreveria daquela forma e sobre aquela temática um homem de setenta anos, determinado, destemido e trazendo às costas um passado revolucionário? – acredito que, se o livro fosse composto somente pelo relato de Ana e o diário, seria um livro perfeitamente acabado. Neste diário, ti Mariano destrói completamente a imagem que o livro – exceto a voz narrativa de Ana – foi criando dele. Só a voz de Ana e os relatos diarísticos nos permitem desconstruir essa imagem mal formada.
Honestamente, só houve uma razão pela qual eu gostei do contraste que há entre o livro e ti Mariano – a transição de João para ti Mariano. A luta interior de João, enquanto tenta lidar com a perda da amada, passa completamente despercebida a toda a gente. Tudo o que se sabe sobre ti Mariano é a pessoa em que João se tornou após perder Ana. O livro torna-se curioso no sentido em que nos permite conhecer ti Mariano, mas não João. João é um homem destroçado e destruído, sem mais nenhuma razão para viver quando sua amada morre. Forçado a regressar a uma família que nunca o conheceu, agora velho e sem destino, João esconde as suas mágoas por detrás da máscara a que todos chamam de ‘ti Mariano’. João morre no momento em que se apercebe que a sua amada nunca voltará para o seu lado, e aí nasce ti Mariano, personagem principal da nossa história.
O facto de este diário ser inserido no final do romance e o facto de o diário e o livro serem absolutos opostos foram o que redimiu o romance e me permitiu identificar João. Se alguém, para além de Ana, tivesse tentado conhecer João, talvez soubessem o porquê de ti Mariano ser quem é e talvez alguém tivesse resgatado João da morte causada pelo desgosto, impedindo o nascimento de ti Mariano.
O único pecado do livro é não desenvolver ou não nos devolver a evolução de João para ti Mariano.
Francisca Martins, 11º Ano A