São Francisco de Assis (1182-1226)
Pormenor do fresco “Madona no trono com os anjos” (c. 1280), de Cimbue [Basílica Inferior de S. Francisco, em Assis]
“Um dos santos mais célebres e admirados da cristandade, nasceu Giovanni Francesco Bernardone, em 1181, em Assis, na Úmbria, região de Itália, cuja atmosfera veio a ser identificada com a sua personalidade mística, vigorosa e delicada. […] O prestígio incomparável da sua santidade, que era já lenda em vida, e o poder vertiginoso da ordem que fundara, levaram a Igreja Católica a canonizá-lo imediatamente em 1228, para sancionar um culto que era irresistível. […] Mas esse santo foi também um poeta, e o seu célebre “Cântico das Criaturas” compendia um pensamento que a ascese e um amor dos homens e das coisas vivas, harmonizando-se (e é essa a grande originalidade de S. Francisco), elevam à mais alta poesia. […] Começando por dirigir-se a Deus, que louva em toda a criação, passa a louvá-lo pelo Sol, depois pela Lua e as estrelas, depois pelo vento e os ares que ainda participam da qualidade celeste, e, depois de celebrar o elemento Ar, passa sucessivamente aos outros Elementos tradicionais: a Água, o Fogo, a Terra. É um perfeito ciclo cósmico que se encerra no “envoi” final em que o poeta concita a humanidade a louvar-se em Deus do mundo em que vive a sua condição. Tanto como a sua obra, a personalidade extraordinária de S. Francisco está na raiz de várias tradições literárias do Ocidente — e não é exagero afirmar-se que, com ele, nasceu uma literatura italiana que absorve o sentimento popular ao mesmo tempo que o transforma.” Jorge de Sena
CÂNTICO DAS CRIATURAS
Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a Ti a glória, as honras, o louvor,
e todas as bênçãos.
A Ti só, Altíssimo, sejam dadas
e homem nenhum é digno de nomear-Te.
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o mestre irmão sol
que só por si madruga e que nos ilumina.
E ele é belo e radiante e com grão esplendor,
e de Ti, Altíssimo, ele é testemunha.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas
que no céu criaste claras e preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento,
e pelos ares sombrios ou serenos ou com todo o tempo
que são das criaturas mantimento.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água
que é tão útil e é humilde e preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo
pelo qual de luzes se abre a noite
e é belo e alegre e é robusto e forte.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã a nossa madre terra
que nos sustenta e governa
e produz tantas frutas, coloridas flores, e as ervas.
Louvado sejas, meu Senhor, pelos que por teu amor perdoam
e suportam enfermidades e tribulações,
benditos aqueles que tudo suportam em paz
e que, por Ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã a nossa morte corporal
da qual homem vivente algum há de escapar,
ai daqueles que morrem em pecado mortal,
e benditos os que encontram na Tua santíssima vontade
que a morte segunda não lhes fará mal.
Louvade e bendizede o meu Senhor, e graças dade,
servide-O todos com mui grã humildade.