“O organismo humano. Único em toda a complexidade do Universo. O resultado de três biliões de anos de evolução. Perfeito em todos os aspetos exceto um. Como todas as máquinas, deixa de funcionar.” (Bay, 2005)
“A História da Humanidade é a História da busca da imortalidade”. (Carvalho e Silva, 2008)
Em plenos anos noventa, a ovelha Dolly gerou um ruído mediático em todo o mundo confrontado com a espantosa ideia de que poderíamos “fotocopiar” mamíferos e, eventualmente, seres humanos! A ciência, mais uma vez, interpelava as forças vitais da sociedade e, inclusive, a opinião pública foi desafiada intelectual, moral e deontologicamente por questões, até esse momento, apenas postas em ficção e, esta, acabava por correr o risco de se tornar realidade. Após a confusão concetual inicial e os debates aguerridos terem evoluído para uma discussão mais serena e ponderada, estabilizou-se o posicionamento consensual perante tal questão. A posição defendida neste ensaio é de que nem sempre a clonagem deve ser aceite.
Inicialmente, para uma compreensão mais clara do tema em análise, há que refletir acerca da etimologia da palavra clonagem: “Em grego o termo Klôn referia-se a pequenos ramos, broto de um vegetal” (Sapo.pt, 2016). Porém, “atualmente o termo deixou de evocar a horticultura para significar a manipulação da vida animal” (Carvalho e Silva, 2008). Recorrendo à definição de Danielle Bonfim, “a clonagem pode ser definida como uma forma de reprodução assexuada, na qual o objetivo principal é produzir seres idênticos, perpetuando características genéticas desejáveis” (Bonfim, 2005). A clonagem na agricultura, tanto de espécimes vegetais como, recentemente, animais, é já uma prática corrente, não isenta de riscos e .
Primeiramente, para os defensores da clonagem integral humana, o indivíduo clonado lega as suas qualidades ao clone que, com isso, evita a na reprodução em ambiente natural, cristalizando a espécie na medida em que se replicam indivíduos com características previamente definidas. Porém, surge um conflito de identidade para o e para o clonado com o futuro. Veja-se que o clone se encontra perante desafios identitários na medida em que possui uma visão pessoal inferiorizada já que é um espécime referente a um humano total e independente mas com o mesmo código genético, o indivíduo que lhe deu origem. Do mesmo modo, o clonado vê-se perante uma cópia de si que se desenvolve num espaço e num tempo que não pode controlar.
Numa perspetiva proclonagem, há igualmente a defesa de que as comunidades humanas poderiam melhorar o seu desenvolvimento pela multiplicação de espécimes com qualidades selecionadas de forma a tornar mais forte a sua capacidade de sobrevivência e o progresso das mesmas, anulando progressivamente os “defeitos” individuais que as travam no seu objetivo coletivo. Todavia, a avaliação utilitária da clonagem num ambiente sociopolítico mais opressivo ou programático pode gerar a tentação da replicação de espécimes humanos com fins específicos tais como desportivos, militares, eugénicos, que causam a destruição das bases dos valores mais profundos da sociedade democrática atual: a centralidade e autodeterminação do indivíduo.
Em determinadas circunstâncias, a clonagem poderia também tornar-se um instrumento ao serviço de uma nova “harmonia e ordem sociais”, fruto de um novo conceito de comunidade, em que o projeto político se sobrepõe à livre diversidade biológica. Esta visão é anterior ao conceito de clonagem humana e presidiu a experiências eugénicas, com relevo para a primeira metade do século XX. Por outro lado, toda a legislação que se possa prever, necessária para regular os processos de clonagem humana, implicam a dessacralização do indivíduo e a instrumentalização da identidade, o que, em sociedades liberais, e democráticas, é quase um desafio impossível.
Para muitas pessoas, os preceitos religiosos, os valores tradicionais, étnicos ou culturais são um empecilho ao progresso da Humanidade, tal como as ideologias Marxista-Leninista e Nazista defendiam. Deste modo, as questões morais e deontológicas, associadas a um programa de clonagem humano, poderiam ultrapassar estes “atavismos” do passado, ao serviço de uma sociedade nova de Homens perfeitos que interagissem socialmente ao serviço do coletivo, num ambiente político totalitário que desvaloriza a iniciativa e a autodeterminação já referida, bem como a unicidade e identidade do indivíduo. Por oposição, a clonagem, enquanto oportunidade científica, choca com os valores fundamentais da religião e da cultura dos povos que tendem a olhar para a natureza como um milagre irrepetível, que deve ser ao mínimo manipulado, sob a pena de estruturarmos uma sociedade amoral, utilitarista e cujos valores coletivos se sobrepõem ao direito à diferença.
Como argumento a favor, os defensores da clonagem filiam-se numa corrente científica de cariz intervencionista, valorizando a transformação dos equilíbrios naturais, reconfigurando o mundo biológico com recurso à ciência, alterando pressupostos como biodiversidade, defesa dos ecossistemas, ao serviço de uma melhoria da qualidade dos mesmos pela sua intervenção. Mas não será a diversidade biológica, psicológica e étnica do ser humano um valor a preservar? Cada indivíduo é único e irrepetível e o seu código genético faz parte dessa unicidade no domínio biológico. É útil à defesa da espécie que haja o máximo de perfis genótipos que a fortalecem pelo contributo que cada indivíduo diferente possa dar tanto a nível pessoal como na diversificação e sofisticação da Humanidade. Em termos de saúde pública, a diversidade de código genético constitui uma proteção da espécie pois qualquer ameaça biológica apenas ataca parcialmente alguns grupos: outros terão a capacidade de à mesma resistir. A diversidade é inerente à própria conceção de espécie, una na riqueza das diferenças individuais…
A comunidade científica tende a valorizar a capacidade de intervir sobre o mundo que a rodeia, utilizando técnicas e recursos para desenvolver projetos como a clonagem integral de espécimes humanos pelo fascínio da ciência e pela crença de que esta, apesar de gerar consequências nem sempre controláveis, constitui o caminho do futuro e, como tal, devemos assumir esses riscos. Noutro ponto de vista, a ciência, a comunidade científica, em especial os envolvidos no desenvolvimento das técnicas de clonagem têm tendência a sobrevalorizar os aspetos utilitários da mesma, muitas vezes evitando questionar-se sobre a profundidade das consequências das mesmas. Devemos valorizar as equipas científicas que desenvolvem técnicas de reprodução de tecidos humanos para efeitos terapêuticos, evitando a tentação da clonagem integral. A experiência diz-nos que os avanços científicos, tarde ou cedo, vão ser aplicados; o importante é que se submetam a um profundo escrutínio social e deontológico.
Devo concluir que, no confronto entre as opiniões divergentes perante um tema tão fraturante, parece que a clonagem parcial (de órgãos) poderá ser um instrumento importante para fornecer ferramentas médicas mais eficientes. Do mesmo modo, já está estabelecida a utilização corrente na agricultura, biomedicina e outras áreas das ciências aplicadas, tendo-se sedimentado um consenso ético dos limites da sua utilização. Mesmo nestas áreas, questões como a preservação da biodiversidade e equilíbrio de ecossistemas, são limitações éticas importantes ao uso indiscriminado deste método. Quanto à clonagem integral de seres humanos, parece-nos inultrapassável o constrangimento ético do respeito pela unicidade do indivíduo. Deontologicamente, os cientistas terão sempre de ter em conta que o poder fazer não é sinónimo de ser correto fazer.
Ana Amorim, 10ºF
Referências
- Bay, M. (Director). (2005). “The Island” [Motion Picture].
- Bonfim, D. C. (2005). Clonagem: benefícios e riscos. Rio de Janeiro: Interciência.
- Bustos, P. (2016, Fevereiro 22). The Real Clone Wars.
- Carvalho e Silva, W. (2008). Clonagem humana: abordagem sociológica e jurídica. Lisboa.
- pt. (2016, Fevereiro 21). “Principais conceitos”. Retrieved from “Clonagem: Métodos e Técnicas”: http://clonagem.no.sapo.pt/conceitos.htm