Sermão do nascimento do Menino Deus (Pregado no Colégio da Baía da Companhia de Jesus)

V

Já agora, se não fica provado, ao menos fica fácil de crer quão alta, e eficazmente satisfaria o Menino, e Divino Orador, à terceira, e última obrigação do ofício, que é persuadir, e mover. Como este é o fim que O trouxe, ou havia de trazer ao Mundo, já muitos séculos antes O tinha Deus anunciado ao mesmo Mundo por boca do Profeta Ageu com tanta pompa de palavras, como de prodigiosos efeitos: Com movebo coelum, et terram, et mare, et aridam, et movebo omnes gentes, et veniet desideratus cunctis gentibus [Ag 2, 7-8]: Virá o desejado das gentes, que é o nosso Menino nascido, e será tal a moção, que causará com Sua vinda, que se moverá o Céu, se moverá a terra, se moverá o mar, e as Nações, que em qualquer parte a habitam, e o navegam, ou políticas, ou bárbaras, todas se moverão. Assim foi, ou começou a ser neste dia. Moveu-se o Céu, mandando os exércitos dos Anjos à terra, e despa­chando por embaixadora uma estrela nova ao Oriente; e aparecendo arraiado com três sóis, um deles coroado de espigas, em sinal, de que com tão multiplicadas luminárias festeja o nascimento do Príncipe nascido em Belém. Moveu-se a terra, brotando em fontes de óleo em testemunho, de que era nascido o Ungido; derrubando ídolos, nome­adamente o de Júpiter Capitolino, em protestação, de que só Ele era verdadeiro Deus; e cerrando as portas de Jano, e fazendo cessar as armas em pregão universal, de que vinha pacífico. Moveram-se todas as gentes de todas as Nações, de todos os estados, de todas as crenças: os Judeus, os Gentios; os grandes, e os pequenos; os sábios, e os ignorantes, significados todos nos Pastores, e nos Magos, em cujas três coroas se significaram também as três partes, de que naquele tempo constava o Mundo.

E se perguntarmos, ou inquirirmos a causa de tão universal moção, consta que não foi outra, senão a que tiveram os pastores de Belém: Et videamus hoc Verbum, quod factum est. Isto é, verem o Verbo feito. Não digo feito homem; mas feito, como argutissimamente ponderou São Bernardo: Ante non se movebant bomines, dum Verbum erat tantum apud Deum. Antigamente enquanto o Verbo somente era: In principio erat Verbum [Jo1, 1], não se moviam os homens: At ubi Verbum, quod erat, factum est; mas tanto que o Verbo, que somente era, foi feito: Tunc venerunt festinantes, tunc concurrerunt, “então se moveram, então vie­ram, e concorreram”. Tanta foi a eficácia, que teve no Verbo Divino o fazer-se: não o ser palavra dita, posto que dita por Deus; mas o ser palavra feita: Verbum, quod factum est.

[…]

E se esta eficácia lhe vinha da parte de Cristo, por serem palavras não ditas, mas feitas: Verbum, quod factum est; ainda se acrescentava, e era maior da parte dos homens, por não serem ouvidas, mas vistas: Et videamus. A razão notável desta maior eficácia não só os Filósofos a conheceram, senão também os Poetas (se pode haver Poeta, que não seja Filósofo).

Segnius irritant animos demissa per aures,

Quam quae sunt oculis subjecta fidelibus.

Diz Horácio: “O que entra pelos ouvidos, como tem menos evidência, move com menos força; mas o que entra pelos olhos recebe a eficácia da mesma vista, e move fortissimamente”. Tal foi a moção, do que viram os Pas­tores no Presépio, e tal, a do que viram os Reis, e não por outra razão, senão porque viram. Os reis vieram alumiados pela estrela; os pasto­res alumiados pelo Anjo: mas nem a luz das estrelas, nem a luz dos anjos igualaram a luz da vista para mover. Argumentemos de Deus para Deus; de Deus na Terra para Deus no Céu; e de Deus visto para Deus não visto. O mesmo Deus, que cremos na terra, não é O que se vê no Céu? Sim: pois porque no Céu todos O amam, e ninguém O ofende; e na terra não há quem O não ofenda, ainda dos que mais O amam? Porque na terra é Deus ouvido, no Céu é Deus visto; na terra é Deus conhecido pela Fé, e pelos ouvidos somente; no Céu é conhecido pela vista, e com os olhos; por isso o nosso divino Orador, querendo pero­rar movendo, não quis falar aos ouvidos, senão à vista: Et videamus hoc Verbum.

E que escusa tem, ou pode ter a cegueira, dos que à vista do Presé­pio, e de tantos presépios, tão pouco imitam o que vêem? Não imagino tal na Religião; mas no mundo ainda mal que é tão certo. Filius hominis (exclama Santo Agostinho) non habet ubi caput reclinet, et tu ampla palacia, et ingentes porticus metiris: “O Filho de Deus não tem onde reclinar cabeça, e cabe em uma gruta de brutos; e tu edificas palácios magníficos, e medes os pórticos com a tua vaidade”, quando fora maior proporção medi-los contigo. Conditor Angelorum (exclama São Pedro Damião) in Praesepio vagiens reclinatur non ostro, sed vilibus panniculis involutus: erubescat igitur terrena superbia, et arrogantia redempti bominis: “O Criador dos Anjos reclinado no Presépio está coberto de panos vis; e o homem de terra, e escravo, que Ele remiu, sem pejo, nem vergonha, veste ouro, e púrpuras”. Quid magis indignum (exclama finalmente São Bernardo) quam ut videns Deum coeli parvulum factum, ultra apponat homo magnificare se super terram? “Que coisa mais indigna, que vendo ao Deus do Céu feito tão pequenino, o homem queira ser grande?” “E que coisa mais intolerável, que quando a Majestade se encolhe, o bichinho se inche?”: Intolerabile est, ut ubi se exinanivit majestas, vermiculus intumescat.

[…]

António Vieira, Sermões, vol. 1, Tomo 1, Lello & Irmão, Editores

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