“Uma manhã, quando se dirigia à secção de poesia, como costumava fazer depois de tomar café, houve algo que lhe chamou a atenção. Ali, encaixado entre dois livros, um pequeno cartão de cor azul sobressaía de um modo apelativo. […] Já no gabinete, abriu o livro e examinou o cartão com maior cuidado. Ali estavam os versos que a tinham emocionado, escritos à mão com uma caligrafia elegante, as letras desenhadas com tanta delicadeza como se fosse um ideograma chinês. A surpresa de Sara foi enorme quando, ao voltar a examiná-lo, descobriu que num dos cantos da parte de trás surgia escrito a lápis o seu nome com letras minúsculas, tão minúsculas que lhe tinham passado despercebidas nas primeiras observações. Aquele cartão era-lhe dirigido. Alguém o colocara naquele local para que fosse exatamente ela a descobri-lo.”
Assim começa o conto “Um Silêncio Ardente”, do autor galego Agustín Fernández Paz, inserido na obra Só Resta o Amor. Foi proposto aos alunos darem continuidade ao excerto. Colocaremos, ao longo dos próximos dias, algumas das propostas apresentadas.
*
Já era tarde, o sol adormecera, mergulhado no horizonte, e a noite escura instalava-se. Sara continuava no gabinete, pasmada, de olhar fixo no pequeno cartão com um universo dentro dele. As simples palavras prenderam a sua atenção durante horas, até um olhar instintivo para o relógio lhe lembrar que toda a gente já tinha saído e só ela permanecia ali sentada, mas noutro mundo, onde rondavam as mais improváveis teorias sobre a identidade do seu correspondente.
No caminho para casa, atravessava sempre a passadeira junto ao café, entre o escritório e a livraria. Esperou por aquele instante livre de veículos e atravessou. Quase sem acreditar, como se de tantas horas com o olhar no pequeno cartão lhe tivessem encurtado a visão, avistou outro cartãozinho, perdido no meio da grande cidade, apelando por alguém para lhe pegar. Mas não. Não era qualquer um. Sara sabia, sem saber porquê, que o bilhete lhe era dirigido. E sem hesitar, agarrou-o e correu para casa, sem pensar no tempo que se demorou na rua, sem pensar na chuva que agora se anunciava, sem pensar em mais nada, a não ser no conteúdo da carta.
Entrou de rompante pela porta e invadiu a própria sala em busca de algo. Sentou-se, acendeu uma luz ansiosa e, por fim, deitou um olhar na tal caligrafia: “A curva dos teus olhos abraça o meu coração”. E, no final, a página da obra de onde fora gentilmente retirada, e o seu nome, doce e suavemente, sobre a superfície rugosa do pequeno cartão.
A chuva lá fora caía fortemente, mas Sara só ouvia uma voz na sua cabeça que repetia as palavras há pouco lhe dirigidas. Obcecada com este jogo de versos, abriu o livro que comprara de manhã, como se abrisse as portas para um reino de paixões, onde o céu permanecia para sempre tingido de rosa, e procurou as melhores palavras que encontrara.
Saltou-lhe à vista algo como “A tua voz é suave como um beijo”, e marcou com uma caligrafia enfeitiçada as letras sobre um novo cartão azul. Na verdade, Sara nunca ouvira a voz do seu admirador, mas na sua cabeça soava como música. Nessa noite, sonhou com versos entrelaçados e brisas de paixões ao som da voz inexistente.
Acordou repentinamente, dominada por uma energia que a levou à livraria, como se algo fora de si a controlasse, e não sabia na verdade por que lá se dirigia, mas sabia que era para lá que devia ir. Caminhou pausadamente entre as estantes e os livros de todas as formas e feitios até, finalmente, pousar o livro no meio da secção de poesia. Sentou-se, aguardou, mas ninguém apareceu. Numa ânsia desesperada, dirigiu-se ao compartimento onde o deixara e pegou-lhe. Para maior das suas surpresas, o cartão tinha uma mensagem — uma mensagem que não era a dela.
Marta Magalhães, 9.ºC