Um Cartão Misterioso (Continuação de uma Narrativa) – II

Eram ainda três da manhã. Sara fitava o teto, relembrando o misterioso cartão que encontrara na loja. Já se havia convencido de que lhe era de facto destinado. Duas semanas tinham passado desde esse dia e Sara ainda esperava encontrar o autor do cartão.

O despertador tocou vezes sem conta sem que ninguém o desligasse. A cama desfeita e a roupa desordenadamente espalhada no chão do quarto faziam lembrar uma pequena feira, daquelas em que os vendedores se sentam no chão com os seus produtos. Os gritos começaram a fazer-se ouvir. Cada vez mais perto, até que, com um estrondo, a porta tombou e meia dúzia de caras perplexas fixaram o seu olhar numa pequena folha de papel deixada em cima da mesa. Era um cartão. Mas não era igual ao anterior, era novo.

Vai alta no céu a lua da primavera,

Penso em ti e dentro de mim estou completo

Com um passo largo e apressado, Sara ia a caminho do seu quarto, esperando não ter causado grande alarido por não ter aparecido na livraria como combinara com Rui, o gerente do local. A verdade é que fugira para falar com Pedro. Pedro era o seu melhor amigo quase desde os dois meses. Haviam partilhado berços, brinquedos, e, agora, partilhavam memórias. Confiava nele com todo o seu coração e foi com ele que tentou decifrar a identidade do autor daquele novo “cartão misterioso “.

Agora, sentia-se envergonhada. Que diria ela a Rui? «Bem, vou ter que inventar uma desculpa qualquer, sei lá…», pensou ela. Ao fundo da rua já se avistava a pequena e humilde livraria e, junto dela, uma enorme multidão agrupava-se. Foi quando Sara perdeu as forças. As pessoas que lá estavam eram os seus amigos e a sua família. Todos exprimiam uma tristeza imensa e as mais honestas e suaves lágrimas jorravam dos olhos de alguns como a chuva num dia frio de inverno. Sara correu a abraçá-los.

– Filha, estás bem graças a Deus – começou por afirmar a mãe com uma face agora aliviada. – Achávamos que te tínhamos perdido!

– Está tudo bem, mãe, não te preocupes.

Soltou os braços do corpo da mãe e sentiu vontade de chorar. Deixara toda aquela gente que tanto amava preocupada consigo. Não podia acreditar no que fizera. Fugiu por entre diálogos aliviados mas um pouco tensos, expectantes. Correu e não olhou para trás. Desatenta e perdida nos seus pensamentos, esbarrou com um homem forte e sorridente. Cabelos loiros esvoaçando com o vento, olhos suaves e profundos, mãos trémulas e uma boca leve mas angustiada. Esta era coroada por um nariz simples que transparecia, tal como o pescoço forte e comprido, uma sensação de força, de poder e de uma enorme delicadeza. Era Rui. Sara sentiu-se envergonhada por o ter deixado à sua espera. Os seus braços quentes e meigos envolveram-na com uma suavidade acolhedora. Falou com ele durante um pouco. Este convenceu-a a voltar para trás e reconfortar a família. Ela assim fez.

E Rui ficou a vê-la partir. Tão elegante, tão graciosa, tão profunda e esbelta. Olhou para ela com um olhar suplicante, até ela desaparecer por trás de um grupo de turistas felizes e inquietos. Interrogava-se se ela ainda demoraria muito a perceber que fora ele que escrevera os cartões e a olhar para ele da mesma maneira que ele olhava para ela.

Francisco Neto, 8.ºD

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