Foi um mistério que atormentou durante anos os funcionários do Arquivo Municipal Fotográfico de Lisboa. Quem teria andado pela cidade, entre 1898 e 1908, a fazer fotografias dos prédios e das ruas de uma forma tão estudada e sistemática?
Arthur Júlio Machado e José Candido d’Assumpção e Souza, que trabalhavam na Câmara como desenhadores no Serviço Geral de Obras, são os autores do espólio composto por milhares de fotografias de qualidade, um conjunto de imagens que revelavam que se estava perante alguém “com sensibilidade” para captar “o espírito da cidade” para além da frieza topográfica das fachadas, dos prédios, das ruas. É revelado o frenesim da cidade, é mostrado o modo como está viva, com crianças à espreita, varinas, carroças e gente a conversar à janela.
A partir destas fotografias, montou-se a exposição “Lisboa, Uma Grande Surpresa”, em exibição no Arquivo Municipal Fotográfico de Lisboa até ao final do ano.
(http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/Eventos/lisboa%20uma%20grande%20surpresa/se_programa.pdf).
Cesário Verde deambulou pelas ruas de Lisboa entre 1855 e 1886. Quais teriam sido os espaços que poetizou?
Fizemos acompanhar algumas fotografias desse espólio de uma seleção de versos dos poemas “O Sentimento dum Ocidental” e “Nós”.
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
in “O Sentimento dum Ocidental” |
E ó condados mineiros! Extensões
Carboníferas! Fundas galerias!
Fábricas a vapor! Cutelarias!
E mecânicas, tristes fiações!
Bem sei que preparais corretamente
O aço e a seda, as lâminas e o estofo:
Tudo o que há de mais dúctil, de mais fofo,
Tudo o que há de mais rijo e resistente!
Mas isso tudo é falso, é maquinal,
Sem vida, como um círculo ou um quadrado,
Com essa perfeição do fabricado,
Sem o ritmo do vivo e do real!
in “Nós” |
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!…
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir estrangulados.
in “O Sentimento dum Ocidental” |
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
in “O Sentimento dum Ocidental” |
Francisco Dias, 12º A