Onde está o amor?

Amor de Perdição?! Esta será, provavelmente, a reação típica de um adolescente de dezasseis anos, quando lhe é sugerido o estudo de algumas obras contempladas no Programa de Português do 11.º ano. Confesso que cheguei a sentir, de facto, o mesmo tipo de indignação, ou pensamento negativo, acerca desta novela sentimental, até ao momento de a ler e de me reconhecer nos sentimentos e nas emoções transmitidas por Camilo Castelo Branco. Até poder provar o amor de Teresa e Simão. Até sentir a dor e a melancolia de Mariana. Até chegar ao fim.

As intrigantes e íntimas peripécias subjacentes à vida de Simão Botelho acabaram por se transformar numa aprendizagem, tanto do ponto de vista literário, como do ponto de vista pessoal. Desenganem-se todos aqueles que se julgam homens ou mulheres extremamente emotivos e sentimentais. Aqueles que se consideram idealistas e defensores acérrimos das suas crenças nunca, certamente, saborearam a força e o verdadeiro caráter do herói romântico da obra de Camilo. Numa sociedade contemporânea, completamente dominada pela tecnologia, toda ela assoberbada pela competitividade e por atos tantas vezes desumanos, quantas vezes as nossas relações não se resumem a meras farsas bem estudadas?

Quantas vezes falta amor!

É preciso paixão.

A alegria, tão característica da vida, dissipa-se.

Quantas vezes nos questionamos sobre a mentalidade das gerações atuais? Talvez o materialismo cego, responsável pelo sacrifício de tantas vidas, em pleno século XXI, não seja suficiente para promover um mundo feliz! É certo que a felicidade é um conceito relativo. Para Simão não aparentava ser. O herói romântico de Camilo revela-se um homem de convicções sólidas e princípios inabaláveis, movido essencial e exclusivamente por uma paixão ardente. Ironicamente, ao contrário da generalidade dos homens modernos. Esta personagem, efetivamente, “Amou, perdeu-se e morreu amando”, não temeu as consequências dos seus atos e manteve-se fiel às suas ideologias e aos seus sentimentos, durante toda a sua vida, mesmo que curta tivesse sido. O sofrimento e o dissabor patentes na frágil condição de Simão Botelho, antagonizando todas as convenções através da revolta e da força implícitas nas suas ações, fez-me abraçar descomplexadamente todas as virtudes associadas a este herói português do século XIX — um herói que quis viver o amor por inteiro.

De sublinhar, igualmente, em Amor de Perdição, a personagem feminina, Teresa, em todo o enredo, numa extensão da vertente sentimental e social da mulher dessa época. Teresa representa a mulher fisicamente débil, mas psicologicamente firme, lutando contra os tabus da época e defendendo a dignidade do género feminino. Infelizmente, os escrúpulos da sociedade camiliana continuam vivos no nosso dia a dia, pelo que acredito que Teresa antecipa o desejo de igualdade e independência associados à mulher nos dia de hoje. Esta é, então, pintada por Camilo como um ser apaixonado e devoto a esse seu amor, transpondo a sua contagiante paixão para o leitor. Os comportamentos de Teresa convidam-nos a refletir sobre a panóplia de sentimentos que muitas vezes norteiam a nossa vida. Não obstante o desolador final desta personagem, a sua presença no romance não pode ser esquecida, uma vez que ela constitui um exemplo pelo qual todas as mulheres se deviam guiar, pautado pela força e coragem no que respeita à capacidade de enfrentar os preconceitos impostos pela sociedade, levando-nos a compreender, também, a intemporalidade dos valores defendidos em Amor de Perdição.

Por outro lado, Camilo apresenta-nos Mariana, uma jovem inocente, submissa, corajosa e apaixonada. Mariana acaba por ser uma verdadeira vítima de um amor louco que foi semeando em Simão Botelho. Tal como Simão e Teresa, também a filha de João da Cruz “Amou, perdeu-se e morreu amando”. É o caráter desta rapariga que permite que o coração do leitor alimente sentimentos de revolta e de injustiça. Mariana, ao contrário dos outros protagonistas, “morreu amando”, mas nunca foi amada.

Em jeito de conclusão, diria que, infelizmente, estamos muitas vezes imersos em tamanha escuridão que nos transformamos em seres incapazes de valorizar os mais pequenos aspetos que a vida tem para nos oferecer. Usamo-nos uns aos outros. Odiamos. Erramos. Desta forma, a arte de amar em pleno vai-se perdendo e só uma vaga imagem dessa lembrança acabará por ser sentida com algum saudosismo pelos contemporâneos, que não mostram a convicção necessária para reagir e mudar o mundo. Ao contrário do que cheguei a pensar, Amor de Perdição é, de facto, uma das mais atraentes obras que a literatura portuguesa tem para nos oferecer. É um livro que nos mostra até onde o poder e a força de um verdadeiro amor podem conduzir o ser humano; mostra-nos o poder da paixão e como só a coragem nos permite seguir em frente e conduzir todos os nossos ideais.

 

Francisca Neves, 11.ºB

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