“El Príncipe” é uma série espanhola de drama, romance, ação e suspense criada por Aitor Gabilondo e César Benítez em 2011, que alcançou muito sucesso em Espanha. Com a primeira emisão em 2014, “El Príncipe” foi emitida em 20 países da Europa e da América. A série, produzida pela Mediaset Espanha e destinada a um público maioritariamente jovem, caracteriza-se por narrar uma história de amor entre um agente policial ocidental (Javier Morey) e uma jovem muçulmana (Fátima Ben Barek), irmã de um narcotraficante (Faruq Ben Barek).
A ação apoia-se na alternância de narrativas, intercalando as múltiplas intrigas, que cooperam na construção do entrecho principal. Quanto ao espaço, a maioria dos enredos ocorre no conflituoso e caótico bairro de Ceuta “El Príncipe Alfonso”, perto da fronteira com Marrocos, onde os típicos traços árabes predominam em tons de âmbar, desde as colunas, os arcos, os mosaicos e os arabescos ao pátio central das habitações que é rodeado por todos os quartos. A partir daqui, a história segue caminhos divergentes e percorre-os de uma forma incessante. Morey é um homem discreto, sério e com caráter, que, enviado pela CNI (Centro Nacional de Inteligência), é tido como o inspetor-chefe da esquadra (falsa identidade) para esconder a sua missão ali: investigar as técnicas de recrutamento e as fontes de financiamento dos grupos extremistas islâmicos que captam jovens daquela zona e investigar ainda uma suposta colaboração da polícia com a rede jihadista. Desde o primeiro momento em que chega a esta cidade, a paixão que nutre por Fátima, jovem idealista com raízes árabes que é professora no centro cívico do bairro, é inequívoca e é ela que o faz repensar as suas prioridades. Contudo, o seu objetivo primordial é cumprir a sua missão e para tal recorre a todos os meios que lhe são permitidos (ou não) para encontrar a origem e os segredos desta rede. Aliada a ele, está a Esquadra da Polícia de Ceuta, comandada por Fran, um polícia veterano e homem determinado, que, juntamente com a sua equipa, auxilia Javier Morey. Paralelamente a este universo, o cenário central desta série permanece constantemente ativo, isto é, os delitos habituais do bairro continuam e não deixam de contribuir para a intervenção da polícia e de Morey nesta zona. Ora, no bairro, Fran impõe a ordem usando métodos pouco ortodoxos, o que fica comprometido com a chegada de Morey. A situação deste complica-se pela chegada de Fátima à sua vida que, obcecada, tenta encontrar o seu irmão adolescente, Abdu, desaparecido, opondo-se às atividades criminosas do seu outro irmão, Faruq, um dos maiores traficantes de droga do bairro. De referir que Faruq não aceita Morey, visto que este surge numa altura próxima do casamento entre Khaled e Fátima. A familía Ben Barek admira e preza Khaled, ao contrário de Morey, culpando-o de todos os problemas, azares e instabilidades. Khaled, por seu turno, é um homem de negócios aparentemente bem sucedido, um rico empresário, que, por isso, é muito admirado e bem visto por todos. No entanto, Khaled coordena as atividades de um grupo terrorista. Faruq, seu cunhado, está convencido de que as suas empresas lhe podem ser utéis para esconder negócios ilegais, daí manter também a cumplicidade com Khaled. Com a chegada de Morey, Khaled vê-se obrigado a enfrentar difíceis problemas, sentindo-se ameaçado a vários níveis, ao ponto de enfurecer por ciúmes.
Apesar dos seus crimes, Faruq não é, então, o vilão da história. Tudo se complica quando se reconhece um grupo terrorista, designado Akrab, que recruta jovens, planeia e comete atentados. Enquanto isso, Morey oferece-se para proteger Fátima e levá-la para o continente, mas, a caminho, o irmão desaparecido volta num autocarro turístico, onde havia uma bomba. Finalmente, quando a polícia tem conhecimento disto, eles tentam pará-lo. E, com efeito, o autocarro não explodiu, mas Abdu foi baleado na cabeça pela arma de Morey. O início do amor impossível nasce aqui. A mãe de Fátima, Aisha Ben Barek, que era um enorme entrave emocinal por detestar Morey e defender Khaled de olhos fechados, deixa de ser a maior preocupação, assim como o marido de Fátima. Contudo, Morey terá de enfrentar muitos outros obstáculos, sendo que não tivera opção quando baleou o jovem. Caso não o matasse, muitas pessoas sucumbiriam, visto que, apesar de difícil de aceitar por parte da família, Abdu cumpria ordens da rede jihadista a que se havia juntado. Além de tentar demonstrar isto aos irmãos de Abdu, Morey investiga árdua e persistentemente tudo o que possa denunciar o chefe da Akrab, evitando também possíveis ataques. Morey já não só luta contra a Akrab, mas também contra todos os que o rodeiam, já que ninguém – à exceção de Fran que, mais tarde, acaba por se convencer e por o ajudar – acredita nele quando este descobre que o chefe da Akrab é o marido da mulher por quem está apaixonado. Nenhuma prova é capaz de confirmar tudo isto, mas Morey não desiste e quem sabe se por amor, intuição ou consciência, Fátima acaba por acreditar nele e testemunhar as reuniões, as chamadas telefónicas e a fachada que é o local onde o marido trabalha. Ao fim de tanto tempo, tudo parece ficar esclarecido, inclusive o amor – já consumado – que Fátima sente por Morey e o repúdio por Khaled. Porém, continua impossível afastar Fátima de Khaled e do perigo, dado que este é um homem totalmente obcecado e controlador. Face a isto, Morey ainda tem uma missão por cumprir: reunir provas para entregar os responsáveis pela Akrab e os agente corruptos que vendem informação a este grupo. Assim, depois de descobrir que Serra (o próprio chefe de Morey e o único em que julgava poder confiar), entre muitos outros CNI, estão a trabalhar com Khaled e jihadistas, é dada a ordem para Morey ser silenciado e morto. Depois de atravessar inúmeras adversidades e de colocar a sua vida em risco, desde o resgate da outra irmã de Fátima (Nayat) que havia sido aliciada a entrar na Akrab, às tentativas de fugir com Fátima, Morey só pode contar com Carmen Salinas, uma agente chefe da CNI, que havia dado provas da sua confiança e que o ajuda a fugir de todos os que desejam a sua morte. No desfecho da série, Fran, que dispara contra Khaled no momento em que este ia matar Morey, morre com um disparo de Khaled que, quase morto, procura forças para terminar a vida daquele que terminaria com a sua. Além destas duas vítimas, Fátima, que já havia estabilizado com Morey, acaba por morrer pelas mãos de Khaled, deixando vivo aquele que todos queriam ver morto.
A base da narrativa parece elementar, todavia a série divulga distintos cenários de interesse, que são explorados simultaneamente e que contribuem para atrair o espectador. Assim, devido ao encadeamento e alternância de narrativas que caracterizam a ação, são-nos percetíveis os diferentes rostos da cidade de Ceuta e os diferentes quotidianos da população. Deste modo, a trama da obra denuncia modos de vida ilícitos, como o tráfico de drogas que é frequente principalmente em bairros no Norte de África. Neste sentido, transmite ao espectador o estado débil de muitos bairros que carecem de meios e, por esta razão, levam a que os seus habitantes ingressem no mundo do tráfico à procura de dinheiro e, por conseguinte, de melhor qualidade de vida. Numa vertente de sensibilização, é-nos transmitida a imagem das desigualdades sociais e do que estas geram. Tome-se o caso da habitação de Fátima e Khaled que satisfaz mais do que o suficiente as necessidades do casal, sendo que até dispõe de uma empregada doméstica – o que contrasta com as casas do bairro e as condições precárias do mesmo. Além disso, a forma como a série se desenrola permite-nos refletir sobre um ponto fulcral da atualidade e da sociedade capitalista: o dinheiro. Quão facilmente nos vendemos por dinheiro? Quantos abdicam da sua dignidade e das suas crenças por dinheiro? Questões destas vão surgindo à medida que os casos de corrupção são desvendados… Desta forma, a narrativa evoca um grande problema do ser humano: a ganância, que nos faz esquecer meios para atingir os nossos fins e interesses. Num tom de aviso, a série denuncia também a corrupção em grupos prestigiados e de grande importância que gerem assuntos diplomáticos de extrema relevância, por exemplo. A par disto, somos alertados para a inocência e vulnerabilidade dos jovens que, por isso, são conduzidos por caminhos indesejáveis, nomeadamente, pelo tráfico de droga ou o extremismo de certos grupos. Isto demonstra que ambientes como o do bairro em questão são prejudiciais para os mais jovens e influenciam o seu crescimento, tal como constatamos através do engodo de Nayat que, iludida por um adolescente mais velho, inicia o seu caminho na Akrab, sem ter noção do que iria acabar por sofrer. Através de “El Príncipe”, somos também capazes de compreender certos aspetos do Islamismo. Tome-se o exemplo da família, visto que se demarca muito bem a rígida tradição da família e da subserviência da figura feminina que esta religião vinca. No entando, Khaled, enquanto marido e chefe de família, mostra-se mais liberal do que o típico homem árabe, tornando a representação da família muçulmana menos autêntica.
Outro ponto forte do objeto em análise é o facto de alertar o espectador para a ilusão das aparências, já que ninguém é o que diz ou parece ser. Note-se ainda que o desfecho da série é completamente inesperado e, por conseguinte, muito bem conseguido. Tendo “El Príncipe” um argumento um tanto vulgar, de nenhuma forma se prevê um final como este. Assim, há um grande mérito na forma como o desenrolar da ação foge dos parâmetros e consegue culminar num desenlace imprevisível e inédito (a morte de um dos protagonistas, que impede o “felizes para sempre” de que tanto gostamos e fomos habituados), fugindo igualmente às possíveis críticas como demasiado trivial e falho de originalidade. Tendo, ao fim de tanto tempo e de tanto sofrimento, todas as condições para serem felizes juntos, o obstáculo maior sobrepõe-se e este será irreversível (a morte), sendo que o heroi mais nada poderá fazer, ao contrário do que aconteceu com todos as outras vicissitudes, que foi sempre capaz de superar. E isto, ao contrário do que possa parecer, é um aspeto positivo, na medida em que torna toda a série mais realista, pois muitas vezes são retratados finais felizes, ao contrário do que acontece na realidade, onde os desfechos trágicos também existem e existem bem. Por último e de maior destaque, há que mencionar um ponto vital desta série: o radicalismo. É o extremismo islâmico que interliga “El Príncipe” e a atualidade, e é este o tema que confere toda a verosimilhança à narração, dado que constitui um dos maiores problemas dos dias de hoje. Com isto, a série relembra-nos a dimensão dos grupos terroristas que têm crescido e que têm acompanhado as nossas preocupações e receios. Assim sendo, aborda e explora um tema atual, utilizando-o como cenário de fundo, num propósito de entretenimento.
Por outro lado, há que referir que a gesta é redundante e vai sempre ao encontro do mesmo, ou seja, quando tudo parece estar bem, surge algo que abala o equilíbrio da ação e tudo recomeça. Por exemplo, quando, já no final, Morey e Fátima se preparavam para fugir, Khaled captura Nayat e chantageia o casal, afirmando libertar Nayat somente se Fátima voltar para ele. E, como sempre e como íntegro que é, Morey cede e abdica novamente de si para o bem de todos e isto empata constantemente aquilo por que todos anseiam: Morey e Fátima juntos. Este continuo adiamento torna-se repetitivo e impede que a ação progrida, avançando e recuando de uma forma que se torna aborrecida e frustrante. Isto está também relacionado com o facto de a ação ser muito lenta e, consequentemente, desanimadora e algo desesperante. É uma série com um enredo demasiado labiríntico e que, com a contínua chegada de novas personagens, se torna confusa, sendo que há que ter em conta que as ações secundárias não foram todas abordadas nesta apreciação. A meu ver, um ponto negativo a sublinhar é a tentativa de manipulação dos sentimentos do espetador, como acontece quando ninguém acredita em Morey e, para piorar, veneram Khaled insistentemente, até com provas óbvias de que este é um homem dissimulado e sem escrúpulos. Tal perturba o espectador pela forma inócua e profundamente pueril como as personagens lidam com Khaled, assim como acontece com o desprezo de Fátima por Morey (numa fase inicial) que, contradizendo o que sente por ele, continua a afastar Javier e a culpá-lo de todo o mal que aconteceu à família depois da sua chegada. Assim, é despertado um sentimento de compaixão que se prolonga durante demasiados episódios. De referir ainda que a série realça muito o lado extremista do Islamismo, transmitindo uma imagem deturpada e até difamante desta religião, o que pode levar à criação de estereótipos.
Sintetizando, “El Príncipe”, pelas razões apontadas, é uma série pertinente e, como constatamos pela ação principal, aqueles que parecem ser vilões demonstram ser os benfeitores, e vice-versa. Assim, esta narrativa despretensiosa, com toques de humor, drama, ação e romance, não é propriamente um objeto estético que provoque intelectualmente e nos estimule a reflexão – talvez pelo argumento ser demasiado elementar –, mas não deixa de entreter famílias e de surpreender, ajudando a não esquecer uma realidade em que vivemos e que está bem perto de nós – o extremismo islâmico.
Leonor Castro, 11.ºD