À luz do luar escrevo estas palavras. Podem julgá-la tão pálida como se se alimentasse dos espíritos enfraquecidos que nela procuram conforto ou companhia, ou então acusá-la de nos olhar lá do alto como se ousasse prever a hora inevitável em que nos juntaremos às almas sossegadas que adormeceram sob o seu olhar materno. Mas foi este mesmo luar que se debruçou sobre as cartas que Teresa de Albuquerque escrevia, em sigilo, à janela do seu quarto, no convento, e foi esta mesma lua que conheceu Simão Botelho e o acompanhou nos largos meses em que esteve encarcerado.
Passo a situar o leitor: Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, confronta-nos com a fatalidade da paixão entre dois herdeiros de famílias rivais, Simão e Teresa, tal e qual Romeu e Julieta, e a cumplicidade entre os dois, que se correspondiam e se encontravam secretamente. Tudo teve início com uma mera troca de olhares entre Simão e Teresa. Talvez esteja a ser incoerente ao apelidar de simples este primeiro encontro entre os amantes, que, afinal de contas, despoletou tamanha tragédia, em torno da qual gira a ação. Todavia, quero apenas realçar que, não fora a curiosidade dos jovens e o seu entusiasmo pela sensação de rebeldia pela oposição aos pais, não sofreriam as adversidades que os conduziram ao desventurado destino.
Como verdadeiros heróis românticos, abraçaram e defenderam convictamente os seus ideais, na luta pela liberdade, mantiveram-se fiéis às suas ações e respetivas consequências, também por um certo orgulho pessoal — convicções que os encaminharam para situações mais hostis do que a própria morte, como as personagens referem.
Uma outra característica interessante da narrativa é a escolha de personagens tão jovens — Teresa de quinze anos e Simão de dezassete—, o que, por um lado, pode querer sublinhar a puerilidade das ações dos protagonistas, mas, por outro, realça que, como já me foi dito uma vez, a idade é só um número, não sendo adequado julgar a maturidade de um indivíduo e avaliar as suas emoções, tendo por base padrões uniformes usados em seres humanos desiguais.
Mudando, agora, de perspetiva, cruzei-me, numa ou outra página, com Mariana, que sofria, por Simão, de um mesmo amor traiçoeiro. Doentio, até, se é que me permitem ser incauta e sugerir que a mesma força que nos mantém erguidos, contra as leis da gravidade e da morte, que nos faz ansiar pelo “ontem”, para rever um sorriso uma vez mais, ou temer pelo “amanhã”, pela possibilidade de aquele a quem nos dedicamos cegamente nos ser retirado, seja, também, um sentimento corrosivo, que nos corrompe e rebaixa e tortura. Ou, então, talvez seja nossa a culpa, por aceitarmos os termos e condições do amor e por procurarmos de livre vontade este sofrimento reconfortante.
Seja como for, Mariana é a personagem que mais estimo. Trabalhadora, determinada e, sobretudo, humildemente apaixonada cativou-me desde o seu aparecimento na narrativa. No entanto, declaro ao leitor que me faltou a abstração necessária para apreciar verdadeiramente as suas virtudes e a profundidade dos seus sentimentos, algo que, como leitora com grandes expectativas, digo, com um igualmente grande desapontamento. Embora, em conversa, uma amiga me tenha dito que é possível que a minha atitude possa ser atribuída a uma certa inexpressividade de emoções por parte de Mariana, na medida em que se desvalorizava aos olhos de Simão, pela sua classe social inferior, sendo filha de um ferrador, e por não tencionar competir contra Teresa, creio que se deve à falta de descrição expressiva ou mais pormenorizada do autor. Senti dificuldade em abstrair-me, entrar no enredo e deambular no meio da tragédia como se fosse uma outra personagem; desejava, ainda, que a ação se tivesse focado mais intensamente na jovem a quem me afeiçoei, e me tivesse dado a conhecer os seus pensamentos mais íntimos, para poder sofrer como gostaria de ter sofrido, e encantar-me com a devoção de Mariana ao próprio amor.
Para rematar a descrição da minha jornada, que o leitor mais corajoso (ou obrigado…) conseguiu desbravar, creio que, apesar das emoções avassaladoras que invadiram as três figuras centrais e que terão, certamente, ferido o coração dos leitores mais sensíveis, percorri o “Amor de Perdição” com uma certa indiferença. A meu ver, algumas passagens determinantes da narrativa ficam aquém do que idealizei, como a descrição de Simão nos meses que permaneceu encarcerado — o que não implica que não tivesse admirado a obra e não a tivesse apreciado!
Catarina Brandão, 11.ºA