Nascido Adolfo Correia da Rocha, Miguel Torga tornou-se um dos poetas portugueses mais relevantes do século XX. Mito de idealismo e revolta, a sua poesia testemunha a condição do Homem exposto às suas limitações e à sua finitude.
Poemas Ibéricos, obra publicada em 1965 e na qual se inclui o poema “Camões”, evoca outros “épicos modernistas”, como Mensagem, de Fernando Pessoa, pela configuração de uma determinada visão de Portugal — centrada no presente, mas que articula o passado com uma ideia de futuro —, através da evocação de algumas das suas figuras históricas arquetípicas.
No poema a que o Desafio Literário da semana passada alude, o sujeito poético dirige-se a Camões. Note-se, todavia, que, com exceção do título, o Poeta não é nomeado senão através de perífrases, como manifestação de humildade por parte do interlocutor, que seria indigno de o interpelar diretamente. Mesmo a obra máxima de Camões, Os Lusíadas, transforma-se no “Canto”, para sublinhar o seu valor absoluto e inigualável. Neste contexto, Camões é comparado a um “cedro desmedido”, a árvore de cuja madeira eram feitas as portas dos templos, e que, por isso, representa a entrada para os reinos superiores.
O João Campos, do 10.ºF, foi o aluno mais rápido a responder ao desafio (às 12:53 do dia 6 de março) e, por isso, sagrou-se o vencedor desta semana. Parabéns!
Camões…
Nem tenho versos, cedro desmedido,
Da pequena floresta portuguesa!
Nem tenho versos, de tão comovido
Que fico a olhar de longe tal grandeza.
Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto
Chega aos teus pés e como que arrefece.
Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta dum império que era louco,
Foste louco a cantar e a combater.
Sirva, pois, de poema este respeito
Que te devo e professo,
Única nau do sonho insatisfeito
Que não teve regresso!
Miguel Torga, Poemas Ibéricos, 1965