O que andamos a ler no 11º ano

“No final deste livro fica-se com um monumento à dignidade humana” – Sunday Telegraph

Não tenho a menor dúvida. Este jornalista nem abriu o livro. Faz a crítica literária com uma frase programada, uma daquelas mensagens sem sentido que pretendem despertar aquela compaixão politicamente correta no leitor. A maioria dos compradores da obra de Levi vai acabar por a elogiar sem a entender. Ou sem a ler. Vai dizer isto mesmo. Que é um monumento à dignidade humana, um monumento a quem sofreu durante o Holocausto.

Mas não. “Se Isto É Um Homem” não é nada disso. É a prova histórica do que nunca poderemos apagar. Primo Levi escreveu-o num descargo de consciência. Escreveu-o para que ninguém se esquecesse. Escreveu-o para que ficasse marcado em todos o que se passou naqueles campos de morte. Escreveu-o, simplesmente, porque alguém tinha que o fazer. Por isso mesmo, não ficamos com nenhum monumento à dignidade. Nem com monumento algum. Ficamos com a verdade. Tornamo-nos prisioneiros como Levi. Ficamos a conhecer o que é o verdadeiro sofrimento. Chegamos a roçar a morte, alcançamos a completa alienação da identidade. Vivemos o que milhões antes de nós viveram. Sem fantasias, sem atores. Levi é direto e objetivo. Mesmo nos seus pensamentos.

O livro tem frases profundas. Mas não do género daquelas citações “fatelas” (desculpem-me a expressão), alegadamente inspiracionais, que se encontram em versões romanceadas de praticamente tudo (basta olhar para o top de vendas de livros em Portugal). Aquelas que teimamos em colar nas paredes dos escritórios. São puras. Houve um desses fragmentos que me esqueci de referir na minha apresentação. É mais do que alguma vez poderei escrever. É a verdade, pelos olhos de quem lá esteve:

“Não temos regresso. Ninguém deve sair daqui, pois poderia levar para o mundo, juntamente com a marca gravada na carne, a terrível notícia do que, em Auschwitz, o homem teve coragem de fazer ao homem.”

O que podemos dizer perante isto? Como podemos olhar nos olhos aqueles que negam o Holocausto? Aqueles que defendem o sofrimento de alguns em detrimento da maioria. Não é disto que se trata? São monstros. Ou ignorantes. Não há nada que justifique o que ali se passou. Não faz sentido. Quanto mais avançamos no livro, mais ridículo parece. Os que sobreviveram nunca mais foram verdadeiramente homens. Nota-se em Levi. Carrega na escrita a marca de quem já não vê na morte o maior horror que o homem pode enfrentar.

No fim do livro só podemos ter uma coisa. Vergonha. Vergonha de saber o que já fomos capazes de fazer. E não esquecer. Nunca. Enquanto virmos o mal que fizemos, pode ser que não o façamos.    Não me custa a acreditar que, em poucos anos, alguém o irá fazer outra vez. É só olhar lá para fora. E não estamos mais preparados por já sabermos o que aí vem. Ninguém está preparado para isto. Auschwitz não matou homens. Matou a humanidade neles. Haverá horror maior que este?

Acabado o livro, a impotência reveste-nos como um véu. Como se a ilusão do mundo tivesse desabado sobre os nossos ombros, ali, despedaçando-se. Levi não é o nosso herói. Nem o nosso vilão, longe disso. Levi é mais do que ele próprio. É toda a humanidade. É a imagem do que muitos perderam naquela Guerra. É o que não pode ser dito. Por não haver palavras melhores que as dele.

Francisco Caetano, 11º Ano A

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