Utopio

“Olhares”, Pedro Barros

Vivo com a noção de que nunca voltarei a ter uma experiência como a que vivi há cerca de um ano. É triste pensar nisso, já que sei que não se repetirá. Porém, o seu carácter único apela à nostalgia que deriva de toda a aventura, o que é bastante reconfortante. Traz-me uma paz genuína recordar momentos dessa viagem.

No dia 10 de março de 2020, viajei para um local que acredito ter dado significado à palavra “perfeição”. Cheguei a casa da escola e, mal coloquei o pé para lá da porta de entrada, fui transportado para uma dimensão completamente diferente. Parece loucura o que estou a descrever, mas como nomear um acontecimento absolutamente transcendente? Vi-me diante uma paisagem cujo adjetivo “onírico” é insuficiente para fazer jus. Do topo daquele mundo para o qual fui teletransportado, observei uma zona de floresta tropical, uma zona de praia, uma zona deserta, outra rochosa e, por último, uma zona de relevo plano. Estas áreas estavam proporcionalmente divididas.

Passados minutos de pura contemplação, comecei a minha jornada na tentativa de perceber onde estava. Comecei a descer do ponto mais alto daquele lugar tão estranho. À medida que me deslocava, ainda impávido, ia passando por algumas pessoas, mas o misto de perplexidade e timidez que me assolavam não me deixava à vontade para abordar alguém. Como estava a ir em direção à praia, eventualmente cheguei à costa. Quando lá cheguei, um grupo de dois adultos e dois jovens (que aparentavam ter a minha idade) cumprimentaram-me e perguntaram-me se era “novo” naquele lugar. Percebi imediatamente que falavam em “esperanto”, a língua universal que a minha mãe me havia ensinado quando era criança. Respondi-lhes, na mesma língua, ainda um pouco constrangido, que sim, que era novo naquele local e que nem sabia onde estava. Esboçaram um sorriso despreocupado. Disseram que me iam colocar a par de tudo e que me mostrariam o sítio. Dessa conversa agradável começou a verdadeira aventura.

O rapaz e a rapariga, que se chamavam João e Maria, deram início à “visita guiada”. Enquanto visitávamos os cinco cantos daquele “mundo”, perguntei-lhes como tinha ido lá parar e que sítio era aquele. Eles apenas me disseram, de forma relaxada, o seguinte: “Ninguém sabe. Mas não te preocupes, tudo voltará à normalidade, eventualmente. Temos de aproveitar e usufruir do que este mundo tem para dar antes que o tempo se esgote!”. Explicaram-me ainda que aquele lugar era conhecido por Utopio, que significa utopia na língua Esperanto.

Embora não tivesse feito nenhum sentido para mim na altura, a forma como o disseram foi reconfortante e inspiradora, e, inexplicavelmente, senti que podia confiar cegamente no que me diziam. Assim o fiz. No final do dia acolheram-me em sua casa e sugeriram que lá ficasse, se quisesse, indefinidamente. Após as primeiras impressões, pude concluir que o povo que habitava o local era deveras simpático, acolhedor e alegre.

Passadas duas semanas de convivência, a sociedade recebeu-me tão bem que parecia que tinha nascido naquele “mundo”. Passado esse tempo, fiquei a conhecer tudo! O governo era constituído por um conselho relativamente grande para que houvesse vasta representação das diferentes ideias. A sociedade, o sistema educativo e o mundo do trabalho eram regidos por uma ideologia – a meritocracia. A educação era garantida a todos e da mesma forma. As pessoas eram educadas desde novas a terem bom-senso e a nunca perderem a ânsia de aprender. A organização do trabalho era equilibrada. Não havia um “patrão” e um “funcionário”. Todos trabalhavam para o mesmo objetivo: o bom funcionamento do país. As pessoas dividiam-se em setores e escolhiam o tipo de trabalho que quereriam realizar, dentro das suas aptidões. Contudo, eram valorizadas as pessoas que tinham, de facto, um “talento” ou que se esforçavam mais do que as outras. As férias eram atribuídas da seguinte forma: quanto maior fosse a produtividade de todos os setores, maior período de tempo teriam para descansar: se trabalhassem a 200% durante seis meses, nos seis meses seguintes poderiam descansar, pois a economia ainda seria sustentável. Todas as questões éticas e judiciais eram resolvidas num tribunal.

Utopio representava, literalmente, a minha conceção de utopia e mundo perfeito. No tempo em que lá estive, aprendi o verdadeiro significado de liberdade, justiça, felicidade e paz.

Depois de quase três meses de experiências únicas e emocionantes, com toda os habitantes, mas principalmente com o João e a Maria, que foram as pessoas com quem melhor me relacionei e com quem construí uma amizade mais forte, chegou ao fim a minha série de aventuras. Um dia fomos ao cimo da Utopio, para visitar o local onde apareci inicialmente, e fui transportado de volta ao planeta onde realmente tinha nascido.

Num estalar de dedos passei de uma dimensão a outra, da Utopio ao planeta Terra, de uma utopia a uma distopia. Reapareci no meu quarto, onde ouvi, passado tanto tempo, a voz da minha mãe, que me chamava para jantar. No meio de tantas situações bizarras, não me surpreendeu que a minha mãe me achasse louco quando lhe contei esta história. Disse-me que havia passado uma hora desde que eu chegara a casa. No meu telemóvel, o ecrã incriminava-me, mostrando-me o dia 10 de março de 2020… Até este dia não sei o que se passou. Como é que tinha vivido tudo aquilo, durante três meses, e, no mundo real, apenas tinha passado uma hora?!

Nada acerca desta história faz sentido, e penso que não fará até morrer. Quem sabe, talvez quando esse dia chegar me possa reencontrar com o mundo perfeito que outrora experimentei…

 

Afonso Oliveira, 11.ºD

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